A França Trágica de Corneille e Racine
& da Comédia Sagaz de Moliére:
Até
então consumida pos disputas e guerras internas, a França do século XVII vai
projetar-se política e culturalmente. O
teatro clássico francês tinha seu público diferenciado do resto da Europa,
consistia principalmente em nobres da corte. Era o público que apreciava os
versos grandiloquentes de Corneille dispostos na estrutura lógica e coerente do
texto herdado dos clássicos. Um público que também apreciava Racine que
introduziu na poesia bem comportada o realismo psicológico com contradições
apaixonadas e trágicas.
"A maneira de dar vale mais que o que se dá."
Corneille criou
um novo estilo teatral, em que os sentimentos trágicos postos em cena pela
primeira vez em um universo plausível, o da sociedade contemporânea. Escreveu
algumas comédias, mas suas peças são basicamente tragédias. Foi nomeado autor
oficial por nomeação do Cardeal de Richelieu, porém, rompe esse status para
escrever obras que exaltam os sentimentos da nobreza (O Cid), que recordam que
os políticos não estão acima das leis. Com a morte de Richelieu e o período da "Fronda", a crise de identidade que padece a França se reflete na obra de
Corneille, na qual escreveu “Rodugone”, uma tragédia sobre a guerra civil e
também “Andrômeda” que o tema é sobre a natureza do rei, subordinado às
vicissitudes da história, fazendo assim que este ganhe humanidade.
(Cardeal de Richelieu)
Foi com a
peça "Andrômeda" que foi necessário construir o Teatro de
Petit-Bourbon em 1650, para o uso da maquinaria necessária. Até o final de sua
vida Corneille inovava o teatro francês com os efeitos especiais (O Velocinode
de Ouro) e testando o teatro musical (Agésilas). Aborda também o tema da
renuncia mostrando a incompatibilidade do cargo real com o direito da
felicidade (Suréna, Sertorius).
A sua colaboração na França foi tão
importante que surgiu o adjetivo corneliano, que significa:
“a vez da vontade e do heroísmo, da força e da densidade literária, da grandeza da alma e da integridade e uma oposição irredutível aos pontos de vista.”
A peça
"O Cid" até hoje é referência e representa o último tributo de
Corneille à individualidade. A partir de então o autor segue sua busca numa
brilhante sucedida de ir ao encontro de unidades de tempo, de ação, e de lugar,
que modelaram a escrita dos séculos XVII e XVIII na França. "O Cid" é
uma obra de transição de tema espanhol, como muitas outras obras suas. É
baseada no amor e no dever patriótico. Essa peça vem acompanhada de escândalo,
porque critica Corneille por não respeitar as regras clássicas do teatro e do
bom gosto (classicismo).
A dramaturgia de Corneille é profunda, pois
opõe os tipos mais grandiosos aos mais ignóbeis dando força e movimento da
ação, as cintilações de lirismo e a construção harmoniosa de versos.
"O vício, tal como a virtude, cresce em passos pequenos."
Racine é uma figura ascendente no teatro francês da
época, cuja obras, as intrigas prevalecem sobre os sentimentos e aparecem menos
heróicos e mais humanos. Sua obra é mais ordeira que a de Corneille.
Seu primeiro sucesso foi com “Alexandre, o
Grande”. Do ponto de vista lógico, há racionalismo no rigor da sua obra, que se
guia por um realismo psicológico de extraordinária eficiência dramática. Do
ponto de vista moral, sua obra apresenta um fundo fatalista e religioso. Esse
fundo religioso, contudo, não é o cristão. Racine substitui os padrões de
comportamento da sua formação católica pelos modelos da tragédia grega .
Tragédias de Eurípedes foram suas referências e se acentua na peça “Ifigênia”,
tragédia preferida de Voltaire. Uma peça terrível e finamente humana aonde o
ápice chega quando uma vítima toma o lugar da outra. (Clique AQUI para saber mais sobre o teatro Grego)
Racine foi o único criador moderno de
tragédias míticas, a sabedoria de decompor psicologicamente os mitos de que fez
uso, reduzindo-os à sua dimensão mais humana.
Sua obra-prima foi “Fedra”, seu realismo
psicológico e de sua analise de mulher. Toda ação é centrada em Fedra,
personagem densa, de fundo grego euripidiano, sacudida, porém pelos
entrechoques da consciência cristã. Lançou no palco personagens martirizadas
por uma existência brutal, entrecruzada de crimes, perversidade, tendências
mórbidas, assassínio e incesto, numa espécie de contrapartida crua e violenta
de tudo o que aprende a temer com sua mocidade.
Racine assimila a feminilidade sem abandonar
a masculinidade (a bissexualidade emocional), uma sensibilidade e
relacionamento com a paixão e o amor. De suas tragédias tiram nomes femininos,
dramatizava a fraqueza humana e a falha trágica de suas personagens na maioria
das peças é representada pela vitória da paixão sobre a razão (máxima
intensificação do sentimento).
Racine tinha duas características
indispensáveis para a tragédia: um temperamento dramático e uma estranha
perturbação de espírito. Uma comovente elaboração da paixão humana.
Essas duas personalidades do teatro clássico
infelizmente não sobreviveram à Revolução Francesa, pois no século XVIII a
França assiste uma mudança radical na temática e nos padrões da arte teatral
dando início a um novo modelo: o Romantismo.
"Deveríamos olhar demoradamente para nós próprios
antes de pensarmos em julgar os outros."
Já Moliére
seguiu a veia cômica no teatro francês, considerado o mestre cômico da
dramaturgia moderna bastante influenciado pela Commedia (ambulante) dell´Arte e
também tendo o conhecimento do teatro romano. (Clique AQUI para saber mais sobre o teatro Grego)
A maioria das suas peças foram
escritas em versos alexandrinos, ou seja, versos de doze sílabas e com adesão
geral da unidade de tempo, lugar e ação.
Seu estilo era lúcido mesmo nos momentos mais tensos, contidos ou nos momentos mais lúdicos, o chamado humor do cérebro.
Nas suas peças a justiça é sempre feita.
Temas cotidianos com olhar crítico e satírico que mostrava falsos sábios,
corrupção em diversas classes sociais, etc. Também retratou com grande maestria
os grandes defeitos e virtudes da alma humana, comportamentos e sentimentos como
o de inveja, cobiça, orgulho, avareza, arrogância.
Em função desse realismo e da ironia sofreu
perseguições, protestos principalmente da Igreja e da classe alta.
Moliére tentou elevar a comédia ao nível da
tragédia (homens superiores). Adaptava seus papéis aos atores e tornou-se o
primeiro encenador como hoje conhecemos, se preocupando com ensaios e dando atenção
aos detalhes.
Em 1664 mostrou uma versão em três atos de
sua grande sátira, "Tartufo". Porém tamanha era a irreverência que o
Rei Luís XIV proibiu apresentação da peça, somente cinco anos depois o público iria
ver. A França era varrida por uma reação contra crescente vaga de ceticismo
religioso e científico. O pensamento liberal era denunciado pelas seitas religiosas
e custou ao autor ser acusado de ateu por aqueles cuja a sensibilidade tinha
sido ferida. Moliére insistiu que não tinha atacado a religião e sim a forma
pela qual podia ser usada para disfarçar interesses próprios. "Tartufo"
é de uma força tanto ridícula quanto sinistra.
(Tartufo)
Mas a peça que marcou, de fato, um retorno à
sátira, é sua obra seguinte “O Avarento”, baseado na Aululária de Plauto, que
tratava de uma caricatura da avareza e da cobiça. Moliére criou uma obra prima
com “As Sabichonas”, uma de suas comédias mais serenas. Antes de morreu teve
tempo de escrever "O Doente Imaginário", aonde interpretou o próprio
personagem devido ao seu estado de saúde decadente, realçando o realismo.
Quando faleceu a igreja proibiu que o corpo fosse sepultado no cemitério
paroquial, somente quando o rei interveio que foi enterrado com uma cerimônia
simples.
Um parêntese do quanto foi importante esse
novo estilo teatral francês, isso porque foi dada a oportunidade de construir a
Comédie-Française, ou Théâtre-Français,
o único teatro
estatal da França,
e um dos poucos que têm uma companhia permanente de atores.
O dramaturgo
com maior ligação à Comédie-Française foi Molière,
considerado o patrono
dos atores
franceses, no entanto, Molière havia falecido há sete anos
quando nasceu "La Maison de
Molière".
(homenagem à Molière na Comédie-Française)
A
Comédie-Française foi fundada por decreto de Luís XIV em 1680 para fundir numa só
as duas únicas companhias parisienses de altura, a companhia do Hôtel Guénégaud e a do Hôtel de Bourgogne. O repertório
incluía peças de Molière
e de Jean Racine,
além de outras de Pierre Corneille, Paul Scarron e Jean de
Rotrou.
Em 1793, durante a Revolução Francesa, a Comédie-Française foi
fechada por ordem do "Comité de salut public", com ordem de prisão
para os atores.
Em 1799, o novo governo
colocou à disposição dos atores que pretendiam reconstituir a companhia, a sala Richelieu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário