Commedia dell´Arte:
A Diversão Ambulante Italiana
A Commedia dell´Arte se afirmou do século XV
ao XVIII na Itália. Sua influência se espalhou por toda a Europa. O foco da
Commedia dell´Arte era a improvisação, não existia texto, apenas um roteiro (canovaccio)
para orientação dos atores. O canovaccio era um
caderno onde aparecia no princípio o nome das personagens e um conhecimento
geral do conteúdo da cena. Estas estruturas tinham particularidade de descrever as
situações e indicar as personagens que irão estar nelas. Os diálogos eram esboçados e cabia aos atores através da
improvisação completar e desenvolver os mesmos, por isso, tinha a marca registrada de que o
ator é o teatro.
A Commedia dell´arte era representada por máscaras que alcançaria ampla
recepção durante sua existência. Os comediantes trabalhavam durante anos no
aprimoramento de sua técnica corporal e vocal, dedicando geralmente toda a
vida, a representação de um único personagem-tipo. Caracterizados por
máscaras, os personagens não possuiam expressividade própria, que deixavam a
boca e a parte inferior do rosto descobertas, cabendo aos atores a tarefa de
conferir-lhes vida por meio de suas performances.
A força da apresentação era: "delle maschere", que reside no fato do ator verter criatividade e vigor na especialização de
um tipo. Presume-se que, com o passar do tempo, houvesse uma forte apropriação do personagem
pelo ator, que poderia ser alçado a categoria de grande intérprete. Além de
preservar a tradição dos tipos, a máscara instaurava uma comunicação direta com
os espectadores, pois apresentava traços de comportamento mais ou menos fixos,
já decodificados e reconhecíveis como tal pelo público.
Essas máscaras ganhavam contorno e denominações
diferentes de acordo com a região em que eram apresentadas. De modo geral, a
tipologia da Commedia Dell'Arte se caracterizava em figuras que atuavam com
frequência na forma de dupla, como os "zanni".
"Zanni, terminologia que indica uma
abreviação de Giovanni, um nome bastante popular na Itália, funcionando como
uma referência a determinado setor da vida
social, aquele que abriga os criados, os esfomeados, os desvalidos. Assim como, entre nós, o José se torna Zé e pode ser visto como o "Zé Ninguém"".
Os tipos que se aproximavam do "zanni"
se caracterizavam como criados bufos, glutões
esfomeados e trapaceiros, originários de regiões pobres da Itália, como Bérgamo, aos quais restava apenas a criatividade, a comicidade e certa
malandragem, como forma de sobrevivência social. Dessas
características, provavelmente um reflexo da condição social também do público,
decorreria a enorme identificação popular que alcançavam. Seus vários nomes, de acordo com as diferentes regiões em que eram
representados, relacionavam-se a objetos de uso cotidiano e, às vezes, faziam
referência à determinados alimentos, enfatizando os
aspectos de glutões. Arlechino, Truffaldino, Pasqualino, Tortelino, Nacherino,
Gradellino, Mezzetino, Nepolino, Fagotino, Pregolino, Temellino, Tabachino, Polpettino, Bagolino, Fritellino, Trivallino, Coviello,
Pecholino, Pulcinella, Polichinelle, Brighela, Pedrollino, Mascarille,
Bertollino, são alguns dos nomes mais recorrentes.
Na França, apareceram como
Scapin e Sganarelle, entre outros, frequentes nas comédias de Moliére. E também o Pierrô, como ficou mais conhecido, a partir das
versões francesas da Commedia Dell'Arte.
Arlequim viria a ser a principal figura, incorporando em sua forma aspectos grotescos do diabo medieval. (no final do post mais detalhes da história de Arlequim)
Construída sobre bases teatrais não canônicas e extra literárias a Commedia Dell´Arte,
estabelecia um paralelo importante em relação ao teatro
oficial, assim, transformando as práticas teatrais européias, buscando, em maior ou menor grau, uma modalidade de expressão artística que
iria exigir domínio técnico desses comediantes na execução de cantos, danças e
acrobacias, o que determinaria o caráter de ofício de sua atividade. Aspectos
que levariam
diversos historiadores a considerar as companhias de Commedia Dell'Arte como sendo responsáveis
pelas primeiras práticas profissionais em teatro, além de serem vistas como o
primeiro grande laboratório do ator.
Herdeira de farsas representadas pelos bobos da
corte da Idade Média, o que mais atraia o público eram os "lazzi" (achados
cômicos que eram brincadeiras, gesticulações endoidecidas e a algazarra). Ela também
absorveu da antiga comédia latina certos recursos teatrais, incorporando nas
províncias italianas estilo de personagens, gestos, vestimentas e diferentes modos
de falar.
(Bobo da Corte)
Grandes personagens foram criadas na Commedia dell´Arte:
(Pierrô) (Covielle)
(Brighella) (Tartaglia)
(Pulcinella)
(Columbina)
As apresentações eram ambulantes, transportando
atores, cenários e guarda roupas em enormes carroções. Geralmente se
apresentavam nas cidades mais importantes ou onde houvesse feiras anuais.
As companhias eram formadas por
integrantes oriundos das camadas mais pobres da
sociedade, que encontravam nas atividades das trupes uma possibilidade de sobrevivência, incluindo mulheres e
nobres decadentes. Estes últimos passavam a se responsabilizar pela escrita dos
roteiros e repertórios, já que se destacavam por
sua origem cultural letrada.
Utilizando um acervo de
materiais constavam trechos paródicos de comédias clássicas, sátiras, farsas, poemas, citações musicais, piadas e
danças obscenas, números circenses, cenas de amor e pantomimas. Com a repetição
das ações, os comediantes
remontavam e associavam elementos de seus próprios acervos artísticos de
acordo com o lugar e a ocasião numa performance viva que conferia
espontaneidade e atualidade a cada apresentação.
Uma dupla de velhos era representada por
Pantaleão (o patrão) e pelo Doutor (o sábio). Havia ainda os casal de namorados e o Capitão, um soldado espanhol que sempre tentava
conquistar uma dama, sem conseguir seu intento. As duplas de personagens cômicos fazem parte de
uma longa tradição presente nas performances dos mimos, antes mesmo, do apogeu
do teatro grego clássico. A comicidade produzida pelas intrigas das duplas, gerando
situações ambíguas e confusões de identidade, foi se multiplicando ao longo da
trajetória do gênero cômico e tornando-se um artifício teatral com largo uso na
criação de peripécias.
(Doutor & Pantaleão)
As máscaras de Pantaleão e do Doutor
configuravam homens velhos e representantes dos setores mais influentes da
recente sociedade burguesa, detentores do poder econômico, do saber
estabelecido e dos códigos morais vigentes. Nos enredos,
geralmente, Pantaleão discorda das escolhas amorosas das filhas,
assumindo ele próprio a tarefa de designar-lhes o pretendente em condições de
oferecer o maior dote e as maiores possibilidades de ampliação da fortuna
familiar. Apesar de avarento e autoritário em relação aos seus criados, é um
pai amoroso e dedicado, demonstrando um enorme ciúme em relação às filhas.
Pantaleão é um tipo que influenciaria não apenas Moliére na pele de seu
memorável Harpagon, de "O Avarento", como inúmeros outros autores,
tais como Gil Vicente e Federico Garcia
Lorca. Na dramaturgia brasileira, aparece como o
Ederaldo, de "A Farsa da Boa Preguiça", de Ariano Suassuna, e como o próprio Pantaleão, de "O Mambembe", de
Artur Azevedo.
A configuração do Doutor estaria ligada a alguns
tipos emergentes na sociedade burguesa, tais como o advogado e o médico,
detentores do monopólio intelectual. Caricaturado como falso portador do saber
no campo das letras, das ciências e das leis, carrega um pesado livro
debaixo do braço e se esmera nas citações em latim. Torna-se o aliado natural de
Pantaleão. O Doutor seria, na leitura de Jacobi, descendente do sabichão
Dossenus, da farsa "atellana", tipo que viria a ser explorado mais de
uma vez por Moliére, numa crítica ao charlatanismo da medicina de sua
época, em peças como "O Médico à Força" e "O Doente Imaginário".
(Os Namorados)
Os namorados não eram tipos
cômicos e, portanto, não se caracterizavam pelo uso de máscaras. Os amorosos e as amorosas das tramas, que normalmente
se opunham à vontade dos pais na escolha de seus
parceiros, eram responsáveis pelo toque poético das comédias, abusando em seus discursos de figuras de linguagem, tais
como metáforas, antíteses, metonímias. Para seus
intérpretes, o conhecimento de retórica era fundamental e, em função disso, geralmente,
eram representados pelos atores mais cultos, poetas e nobres decadentes que se juntavam às companhias.
Podemos ver nos casais de namorados
a gênese de uma tipologia que iria marcar para sempre o teatro ocidental,
transformando-se, com o tempo, no galã e na ingênua das comédias de costumes.
(Capitão)
O Capitão era representado
como um soldado fanfarrão, preguiçoso, mentiroso, contador de vantagens e incapaz de resolver os obstáculos quando estes
surgiam. Descendente do "Miles Gloriosus ou "O
Soldado Fanfarrão", de Plauto, o Capitão da Commedia Dell'Arte viria a ser uma sátira ao poder militar grandiloquente e a
ocupação da Itália pelos espanhóis, caracterizando-se por
sotaque espanhol. Era um tipo desacreditado e ridicularizado pelo público,
assumindo a pose de conquistador de mulheres e constantemente rejeitado por
elas, tornando-se uma figura bufa, ocupando um lugar de destaque na produção da
comicidade. Era conhecido como Capitão Fracassa, Matamoro ou Spavento.
No Brasil, o tipo aparece como o Cabo Setenta, em obras de Ariano
Suassuna em "A Pena e a Lei"; em peças de Hermilo Borba Filho, na "Revista
Forrobodó" de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt e na peça de Luís Marinho, "Viva o Cordão
Encarnado".
No
mundo ocidental, uma das formas mais antigas da atuação cômica de duplas e da tradição das máscaras como portadoras de tipos fixos surgiu no
teatro popular romano, em particular em um gênero chamado farsa
"atellana", surgido na cidade de Atella. A farsa se constituía em uma peça curta que, "embora escrita, deixava
larga margem à atualidade política, lembrando a
estrutura técnica do moderno sketch do teatro de revista: história linear
rápida, de fácil compreensão e servindo como pretexto para sátira da atualidade", (Jacobi ).
Plauto, o mais popular dos comediógrafos
romanos, autor de peças do gênero "Comédia Nova", tornou-se célebre por
conseguir dar forma literária a estas manifestações antigas de
teatro popular, dando-lhes feições de personagens. Acrescentando-lhes recursos
de intrigas, surpresas, peripécias e quiproquós hilariantes. Enquanto na comédia
grega a ênfase temática estaria na sátira social e política, na Comédia Nova
ganharia destaque a crítica de costumes, com a representação de tipos que pontavam para
certa caracterização individual, sem perder o foco em categorias sociais, caso de
figuras como: o pai resmungão, o camponês, a cortesã, o debochado, o interesseiro, o
avarento, o alcoviteiro, o parasita, aduladores, escravos e cozinheiros, típicos do mundo romano.
(CLIQUE AQUI, para saber mais sobre o Teatro Romano)
As peças "Os Dois Menecmos" e
"O Anfitrião", de Plauto, são exemplares no modo como o recurso da
duplicidade era utilizado. Em "Os dois Menecmos", dois gêmeos,
separados após o nascimento, encontram-se, homens feitos, em uma mesma cidade.
Dotados
de temperamentos diversos - um malandro e outro mais ingênuo -, envolvem-se em confusões, nas quais
as ações de um deles passam a ser atribuídas ao outro. Em "O Anfitrião", o Deus
Júpiter, querendo conquistar Alcmêna, mulher de Anfitrião, que está na guerra, assume a
aparência de seu marido, para tomar o seu lugar ao leito. A duplicação se repete no
âmbito dos servos, com Mercúrio, criado de Júpiter, tomando a forma de Sósia,
criado de Anfitrião. Os quiproquós ocorrem em diversos modos: tanto pelo
contraste entre os dois níveis sociais representados (patrões e criados) quanto
pela oposição entre deuses e homens, intensificados pelas peripécias provocadas
pela diferença de identidades dos duplos.
(Os Dois Menecmos)
Moliére utilizou duplos
de criados como artifício para o afloramento da comicidade. Além de uma releitura de "O Anfitrião" de Plauto,
explorou este recurso em comédias como
"As Malandragens de Scapino" e "O Avarento".
Aliás, também Shakespeare tomaria Plauto como uma referência fundamental para a criação de
suas comédias. Haja vista, sua peça, "A Comédia
dos Erros", que fez uma releitura de "Os Dois Menecmos", de Plauto.
Outro exemplo clássico do
recurso de duplicidade encontra-se na genial peça do italiano Carlo Goldoni,
"Arlequim", servidor de dois amos, na qual a duplicação recai sobre
um só personagem, Arlequim, que se reveza como criado de dois patrões. A
culminância fica com a cena do almoço, no 2° ato,
em que ele é obrigado a se desdobrar e a correr de uma mesa à outra, para servir aos dois amos. A comicidade torna-se
hilariante, pela velocidade com que o personagem consegue
alternar suas ações, criando uma ilusão de duplicidade e de simultaneidade.
(Arlequim sendo "dois")
(trecho de Arlequim - Carlo Goldoni)
A atividade do ator e suas táticas de
sobrevivência por meio do trabalho das duplas atravessariam todo o período da
Idade Média, contrariando as predisposições das leis dos doutores da
Igreja, que excomungavam os atores e o seu ofício, considerado obra do diabo, proibindo
os cristãos de assistirem às representações.
(veja AQUI, a Era Teatral durante a Idade Média)
Desse modo, os atores nômades, na pele de mimos,
acrobatas, bufões, trovadores, saltimbancos, jograis, menestréis,
cantores, dançarinos e prestidigitadores, representariam uma multiplicidade de
manifestações teatrais. Estas formas artísticas, configuradas no corpo do
ator, como um fluxo de prazer e necessidade, conseguiriam, "profanamente", burlar
os mecanismos de dominação da ideologia cristã, afirmando a vida, através dos
sentidos e do riso satírico, contaminando os próprios liames do teatro
religioso e seus rituais.
São inúmeras as fontes da criatividade
popular que participaram do processo de fixação
dos personagens da Commedia Dell'Arte. Os costumes de carnaval, os tipos explorados na comédia clássica, a ressonância das "atellanas" e de
outras formas regionais de espetáculos, os mímicos das feiras e os bufões das
cortes, os jograis e malabaristas, todos esses elementos dispersos abririam
caminho para a criação de um gênero. Com sua gama de personagens fazia um resumo das atitudes psicológicas
e sociais daquele mundo novo que se lançou com os
ventos pós-renascentistas.
ARLEQUIM
O "MOLECOTE" ITALIANO
Os mais famosos representantes "zanni"
eram o Arlequim e Brighella, uma dupla com características opostas e
complementares, como explica Angela Materno:
"O primeiro, Brighela, era o mais
esperto, o mais astuto, aquele que inventava as
trapaças e conduzia as artimanhas. Seus principais trunfos eram a agilidade do corpo e
das ideias. O segundo, Arlequim, o personagem mais
popular e conhecido da Commedia Dell'Arte, era ingênuo, tolo e atrapalhado. Ao
contrário de Brighela, que premeditava e
manobrava as situações, Arlequim embaralhava tudo sem
querer e, no final, levava a surra e a culpa pelas maquinações de Brighela. Isto não significa que Arlequim também não pudesse
aparecer, algumas vezes, com certa dose de malícia
e engenhosidade. Afinal
de contas, este e outros
personagens sofreram transformações ao longo do tempo."
A Columbina também era uma criada, considerada um Arlequim de saias
pelos seus modos graciosos, sua agilidade corporal
e sua esperteza na parceria das tramas. Namorava o Arlequim e fazia dupla com
ele nas intrigas para proteger os namorados, que eram quase sempre filhos de
seus patrões. A Columbina não se caracterizava por máscara e era conhecida
também como "fantesca ou servetta", ou ainda pelos nomes de Pasquela, Ricciolina, Argentina, Coralina, Franceschina, Esmeraldina,
Diamantina.
Na França, era a "soubrette",
nome que chegou ao Brasil e se manteve no Teatro de Revista como uma determinada
categoria de atriz, que representava a criada em alguns quadros de comédia ou cantava em pequenos números musicais.
Arlequim, no entanto, viria a
ser a principal figura da Commedia Dell'Arte, sofrendo influências importantes dos costumes de sua época, mas ao mesmo
tempo, incorporando em sua forma trapaças e
artimanhas, aspectos animalescos e grotescos do diabo medieval.
Os estudos de Paolo Toschi sobre
as máscaras demoníacas do carnaval italiano
mostram que as "mascaradas" festas populares nas quais o diabo aparecia como chefe - extrapolam o folclore italiano, tendo sido
constatadas sua presença desde o século IX, em território francês. As várias
representações do diabo foram encontradas em festas
que nos remetem a uma fonte comum, as celebrações dos ritos de calendários:
mudanças de estações e inícios de novos ciclos. O diabo, portando máscara
negra, se fazia anunciar ao som de sinos e guizos, cavalgando em animais que
sopravam fogo e fumo pelas narinas. A aparição dessas
divindades infernais e subterrâneas iria garantir segundo as crenças populares, a proteção da terra e a manutenção dos
ciclos da vida.
Explica Toschi, a propósito das
possíveis relações etimológicas entre Arlequim e a figura do diabo:
"Um primeiro
sinal da natureza demoníaca de Arlequim é dado pelo seu próprio nome. Embora sua etimologia seja muito
discutida e não totalmente segura,
podemos, no entanto, reconhecer em hellequin a raiz hell- inferno, espelhada ainda perfeitamente no alemão moderno
hölle. Hellequin deu, por disseminação,
em herlequin e, por outro lado, desde o século XIII, em Paris e seus arredores, verificou-se o fenômeno pelo qual
o "e" diante do "r" passava normalmente para "a": daí a forma
harlequin. Quanto à segunda parte da palavra, deve ser conduzida ao gótico kuni, latino genus. Foi feita também
a aproximação com o
erlkönig da mitologia germânica. Arlequim significa, então, o infernal ou o rei
do inferno. Por outra estrada, um eminente estudioso, T. Siebs, partindo de uma raiz henne, que explicaria as
formas pelas quais o Arlequim é indicado como hennequin, chega a estabelecer o
significado originário de alma de
morto [...]. A máscara de Arlequim sempre foi negra e com expressão diabólica, com aquilo que os franceses chamam
hure, "cara azeda, descabelada e deformada", própria de uma fisionomia demoníaca e animalesca, ao
mesmo tempo."
Entretanto, a figura que
ganharia popularidade no teatro dos cômicos
italianos é a de um diabo desacreditado e cômico, resultado da fusão com o tipo
teatral "zanni". O tipo secularizou-se, perdendo seu sentido sagrado
/ profano de origem, tornando-se uma figura laicizada e esquemática, que sobreviveria nas máscaras de carnaval,
mantendo, contudo, certos elementos diabólicos e cômicos. Nesse sentido, afirma Toschi:
"o Arlequim apresenta os "lazzi" mais obscenos. Gira os olhos,
surpreende os homens com os abraços, salta sobre suas
costas, se equilibra no ar, executa os jogos mais acrobáticos, dança, faz
discursos bobos [...] range os dentes, arranha, assobia e "faz do cu trombeta" [...] o seu corpo é mais apto a
se mover no ar que na terra; e o passo de dança o
segue em qualquer contingência da vida."
Arlequim é um tipo simbólico
do teatro ocidental, tanto quanto o mítico Dioníso, da antiguidade grega, aos
quais diversos encenadores e atores, ao longo do século XX (e ainda hoje),
iriam buscar como arquétipos do teatro. Nesse sentido, o Arlequim tornou-se uma figura referencial como fonte de ensinamentos e de práticas
seculares de atuação. É o caso do encenador russo, Meyerhold, que estudou os
tipos da Commedia Dell'Arte no processo de sistematização de um treinamento
físico conhecido como "biomecânica".
É possível reconhecer em
diversas manifestações da cultura e da
cena contemporânea traços cômicos que se inspiram e referendam as figuras da Commedia Dell'Arte. Aspectos que conseguem instaurar um elo de encanto e vitalidade na
comunicação com as platéias das mais diversas camadas
sociais. Nesses casos, a centralidade da cena se faz com a presença soberana do ator, como podemos constatar nas
performances do italiano Dario Fo e em atores brasileiros como Antônio Nóbrega,
Júlio Adrião e Roberto Birindelli, apenas para citar alguns artistas que vêm se
destacam nesta vertente do cenário atual.
São atores que apresentam em
suas memoráveis performances ecos arlequinescos repletos de humor e de poesia.
Porém, o fim desse tipo de comédia aconteceu pela falta de um texto, pois
gerava um desequilíbrio no espetáculo, mas mesmo assim, foi de grande influência posteriormente mesmo sem ter deixado nenhum
texto documentado.
(Dario Fo e suas mímicas)
(Dario Fo & a Commedia Dell´Arte)
(A Descoberta das Américas - Júlio Adrião)
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