segunda-feira, 11 de maio de 2015

Jean Paul Sartre afirma: 
"O Inferno São Os Outros"


    O filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre, além das famosas obras filosóficas escreveu romances, contos, peças teatrais e atuou também como crítico literário, e de artes e também ativista militante. Considerado precursor do existencialismo moderno, o Sartriano será ainda mais radical, posto que ateu.
   Mas ele irá afirmar que antes mesmo de uma consciência intencional há, de fato, uma espécie de vazio, como se nossa consciência fosse uma tabula rasa, uma folha de papel em branco, um lugar onde repousa a liberdade absoluta e de onde, a partir daí, as escolhas serão conscientemente apontadas.


   Esse seria então o ser da consciência humana: um nada que se projeta para se tornar algo: “A consciência não é uma entidade ”espiritual” pré-concebida, mas uma intencionalidade que não é nada em si mesma, mas que tem de formar-se com o mundo no qual está”. Sartre surpreende, ao afirmar: “a existência precede a essência”ou seja, não há essência humana anterior a existência do homem. Para ele:

“O homem (existe) primeiro e somente depois ele é isto ou aquilo: é lançando-se no mundo, sofrendo nele, lutando nele que aos poucos ele se define, e a definição permanece sempre aberta”

   Se o homem se apresentou no mundo sem ser concebido por algum projeto divino, cabe a ele produzir sua própria essência, será o que fizer de si mesmo. Eis o primeiro princípio do existencialismo ateu.
   Sartre salienta que quando nos abstemos da responsabilidade por nossas escolhas, estamos agindo segundo aquilo que denominou “má fé” da consciência, ou seja, estamos nos isentando de atentar para a liberdade que temos à nossa inteira disposição, de graça. A má fé consiste em fingirmos não ser livres e podemos então, debitar nossa infelicidade ou fracasso à causas externas a nós. Sartre chama isso de covardia.


   Esse “ser”, construído através daquilo que se escolhe (até mesmo quando não se escolhe já está se escolhendo) pode ser explicitado também através da relação com os outros. Essa relação se dá pela experiência do olhar, do corpo. O olhar do outro me objetiva, me torna real. O outro atesta minha existência e isso instiga e inquieta.  Desencadeia uma crise de aceitação, pois só desejo ver refletido no outro o melhor de mim mesmo. Porém, o outro enxerga mais do que gostaríamos, desconhece nossas motivações interiores.



   Na peça teatral “Entre Quatro Paredes”(1944), Sartre pondera sobre a questão da imagem e ilustra suas ideias filosóficas. A fenomenologia do Outro e do “ser para outro” foi um dos mais bem acabados pensamentos de Sartre. A dialética humana de “ser um com o outro” é central: ver e ser visto corresponde a dominar e a ser dominado.
   Após morrer, três indivíduos vão parar no inferno (não se trata do estereotipado inferno cristão com diabinhos, fornalhas etc.). Garcin era um homem de letra pretendia ser um herói e foi um covarde. Seu maior tormento é que suas novas companheiras desvendam sua condição de covardia, que não pode ser mudada. É em vão que luta para fugir do rótulo de covarde.
   Estelle é uma fútil burguesa que ascendeu socialmente pelo casamento. Em nome do conforto, assassinou o bebê que teve com o amante e vê este, tomado pelo desgosto, suicidar-se. Tenta redimir-se atribuindo sua culpa ao destino. Deseja a paixão como forma de escapar à realidade.



   Inês é homossexual, funcionária dos correios, agressiva, admite suas culpas. É a única que não procura se desculpar e compreende estar no inferno. O ódio a alimenta; sádica, goza com o sofrimento dos outros.
   Não foram parar no inferno a toa: cada um responde por um crime. Estão confinados numa sala, sem espelhos, sem necessidade de se alimentar ou de dormir, por toda eternidade. São obrigados a se verem através dos olhos dos outros; olhos esses que não teriam sido os escolhidos para se conviver. Vaidosa e egoísta, é patético o desespero de Estelle por um espelho. Inês arregala os olhos para que ela possa se enxergar: ela se vê, tão pequenina... Tudo isso os incomoda bastante, pois não conseguem enganar uns aos outros por muito tempo e, aos poucos vão se constrangendo cada vez mais.


   Inês tentará conquistar Estelle, que a repudiará. Estelle, por sua vez, buscará a paixão de Garcin, que a ignora. Inês, interessada em Estelle, jogará um contra o outro, explicitando as faltas deploráveis de ambos; faltas essas que nenhum quer admitir. Numa convivência insuportável, Estelle, revoltada, tenta matar Inês, mas ela dá boas gargalhadas: já está morta. Garcin tenta, inutilmente, convencê-la de que não é um covarde. Não conseguindo, tenta se vingar amando Estelle diante de Inês.


   Sem que possam sequer expiar suas faltas, descobrem o horror da nudez psíquica que os outros lhes evidenciam. Está revelado o verdadeiro inferno: a consciência não pode furtar-se a enfrentar outra consciência que a denuncia, por isso: “o inferno são os outros”.




   “Os outros” são todos aqueles que, voluntária ou involuntariamente, revelam de nós a nós mesmos. Algumas vezes, mesmo sufocados pela indesejada presença do outro, tememos magoar, romper, ferir e, a contra-gosto, os suportamos. Uma vez que a incapacidade de compreender e aceitar as fraquezas humanas torna a convivência realmente um inferno, o angustiante existencialismo ateu Sartriano não nos deixa saída. Sem o mínimo de boa-vontade, não há paraíso possível.




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