segunda-feira, 27 de abril de 2015

O Teatro de Brecht Tira o Espectador Do Comodismo

O "Teatro Épico" e o 
"Efeito de Estranhamento" 



   Bertold Brecht foi poeta lírico, narrador e um grande autor alemão. Aos vinte e um anos escreveu sua primeira obra "Baal"(1918). Na peça Brecht já penetra na natureza crua do homem. A peça influenciada pelo expressionismo da época - já caracteriza tangencialmente o que veio a ser toda a intensa produção do vigoroso autor dos anos seguintes.

(Baal)

    "Baal" é a história da vida de um poeta e cantor bêbedo, rude e mulherengo. Com o seu amigo músico, Ekart, Baal perambula por toda parte bebendo e lutando. Engravidada por ele, Sophie segue-o e acaba por se afogar. Baal seduz ainda a amante de Ekart que acaba por assassinar. Perseguido pela polícia, morrerá sozinho numa floresta. Apesar de ser um retrato anti-heróico, não há dúvida de que muito da imagem romântica do poeta-fora-da-lei se aplica a este Baal cuja linguagem descende diretamente de Rimbaud e Villon.
    Baal aparece como resposta a “O SOLITÁRIO” (1917) de Hanns Johst, onde se relata a história do poeta alemão Grabbe dando-lhe um significado expressionista contra o qual Brecht se quis insurgir. Inspirando-se na vida do poeta francês, escritor medieval de baladas, François Villon, Brecht pretende em Baal mostrar a natureza elementar do indivíduo que se alimenta do prazer e não pensa sequer em pagar as despesas da vida burguesa. Mas ao longo da escrita, Brecht encontra também Verlaine, Rimbaud e Büchner. 

(Baal)

   Com Baal, Brecht revolta-se contra o fatos expressionista, contra os artistas endeusados, contra o tradicional conflito, por ele repudiado, entre a vida e a arte. Brecht procurava o escândalo e encontrou-o. Pouco depois da estréia, o presidente da câmara de Leipzig proibiu a continuação da peça.

(alemão)

    Brecht foi um dos nomes mais importantes do teatro do século XX; é um dos teatrólogos mais encenados no mundo e dos mais respeitados teóricos do teatro. Junto com o seu "efeito de estranhamento" fez o espectador ser obrigado a assumir uma posição crítica de julgar a ação representada.
   Em 1929 iniciou a sua teoria do "Teatro Épico", e quando o nazismo tomou conta da Alemanha se exilou em outros países europeus. Acusado de atividades anti-americanas, foi forçado a voltar para Alemanha, se fixando em Berlim Oriental, onde fundou sua própria companhia, “O Berliner Ensemble”, que produziu suas últimas peças e foi um dos teatros mais ativos da Alemanha , na segunda metade do século XX.


   A sua teoria propunha uma representação épica do teatro, que pretendia opor-se ao "teatro dramático", que - segundo ele:

“conduz o espectador a uma ilusão da realidade, reduzindo-lhe a percepção crítica.”


    O referido "efeito de estranhamento" tinha objetivo de estimular o senso crítico, tornando claro os artifícios da representação cênica e destacando consequentemente o valor revolucionário do texto. 


   Sua obra abarca o teatro, a poesia, o romance, o ensaio a crítica teatral e o aforismo. O autor inovou ao utilizar temas do mundo americano e da nova indústria de produção serial, foi audacioso no ritmo e na secura de sua lírica.
    Grandes obras marcaram a força do teatro brechtiano:
    "A Vida de Galileu" (1937), tem tudo a ver com as grandes descobertas da ciência na virada do milênio e ainda pontua muito bem a situação mito atual de um grande pesquisador obrigado a lançar mão de aulas particulares, abandonando suas pesquisas, porque o governo não lhe proporciona sequer o suficiente para comer.




(alemão)

   "A Boa Alma de SetSuan" (1939), apresenta uma visão da atualíssima corrupção generalizada que reina o sistema.





   "A Santa Joana dos Matadouros" (1929), com seu clima de sarcasmo generalizado, é outra obra que testemunha a atualidade de Brecht. Potente na crítica, a peça mostra a sujeição de absolutamente tudo ao motivo econômico e não poderia ser mais atual, na apresentação fiel das emoções do mercado e das finanças. 




   Analisando com seriedade, a obra brechtiana vê-se de cara que o autor será sempre atual ou, pelo menos - e isso talvez equivalha a sempre - enquanto houver a exploração do homem pelo homem, a injustiça social, a miséria e a violência do poder.
    Sem dúvida a obra-prima brechtiana ficou por conta da "A Ópera dos Três Vinténs" (1928). 


   Começou quando Brecht convidou Kurt Weill escrever a música para o libreto de "A Ópera dos três Vinténs", baseado numa tradução feita pela sua secretária Elisabeth Hauptmann, de "A Ópera dos Mendigos", de John Gay (para saber mais sobre o estilo teatral de John Gay clique aqui) que havia feito um retrato satírico da classe dominante inglesa. 
   Isso aconteceu porque Brecht recebeu a encomenda de criar em cinco meses um espetáculo para abertura do Theater am Schiffbauerdamm (hoje sede do Berliner Emsemble).    A oportunidade dependia de um texto que servisse às possibilidades daquele teatro do século XIX, assim nascia a grande obra brechtiana. Nas palavras do autor "um experimento em teatro épico".
   "A Ópera dos Três Vinténs", em síntese trata de um bando de mendigos que fundam uma empresa capitalista a fim de melhor competir no mercado. A ironia é muita e cheia de severidade crítica que alcança aspectos econômicos atuais. Uma aguda crítica política ao capitalismo como veículo para sua visão vanguardista de teatro aonde foram usadas técnicas dramáticas experimentais, como a "quarta parede" entre assistência e os atores.


   Inspirados no gênero opereta e comédia musical, Brecht e o até então desconhecido Weill, contaram a história de Mackie Messer e seu amor por Polly, a filha do inimigo J.J. Peauchum. Este, mais conhecido por Rei dos Mendigos, vestia a gangue como deficientes ou mendigos e  os mandava pedir esmolas. Mackie, por seu lado, defendia uma linha mais dura, explorando assaltos e prostituição.


   A estréia da peça de Brecht aconteceu 200 anos depois do sucesso de John Gay.
  Tanto Brecht quanto Weill, não imaginavam o sucesso que a "A Ópera dos Três Vinténs" faria no teatro alemão.
   A gênese da obra é bastante complicada, pois envolve uma das mais importantes parcerias do teatro musical do século XX. Brecht "suspeitava politicamente" dos efeitos potencialmente irracionais e sentimentais que a música podia causar, desejando que essa sempre servisse às palavras por ele escritas.
   Compositor e autor compartilhavam do desejo de experimentar a possibilidade de tornar a ópera accessível e "democrática", fugindo do wagnerismo, ainda latente na Alemanha das primeiras décadas do século XX. A ópera, com suas fortes raízes do século XIX era ainda o grande espetáculo da sociedade e a sua reforma a ópera épica pareceu o veículo mais desafiador.

(Brecht e Weill)

(Wagner)

   Neste formato a ópera tornou-se conhecida, com a sua música cada vez mais associada à interpretação no estilo cabaré berlinense, em gravações célebres que diferem do que está escrito na partitura, e consequentemente, com Weill reduzido ao posto de "compositor de Brecht".
    Restabelecer o desafio esta foi a proposta dessa montagem. Se a gênese da obra, em 1928, estava ligada ao desejo de renovar a ópera ou buscar um novo entendimento de seus conceitos, exercermos hoje a mesma liberdade ao rever um clássico.
   Resumindo esta ópera: estamos diante de uma obra desavergonhadamente materialista, de um cinismo e sátira que beiram a comédia, constantemente chamando a atenção do ator e do espectador para a maneira como as circunstâncias materiais determinam, ou ao menos condicionam o comportamento humano, "O dinheiro controla o mundo" proclama a senhora Peachum. Neste julgamento, temos o tema central da ópera: a ética da nossa sociedade, espelhada na ética do crime organizado e da mendicância. A moral é um luxo com a aquela o pobre não pode arcar. "Primeiro, vem a comida, depois a moral" final do Ato II. Eis uma afirmação sobre moralidade que também é uma afirmação de moral.


   O nome da obra foi decidido poucos minutos antes de se abrir a cortina. Apesar disso, o sucesso foi estrondoso, tanto na Alemanha como no exterior – até 1933, quando os nazistas tiraram a peça de cartaz.
   Em pouco tempo, números como a Balada da Boa Vida, que Mackie canta na prisão, ou a Canção da Dependência Sexual, da "senhorita" Peachum, adquiriram caráter popular. Além disso, Brecht conseguiu mexer com o público, levando-o a refletir.
   No final do segundo ato, por exemplo, o elenco discute a condição humana: "Num mundo como este, o homem, para sobreviver, tem de suprimir a sua humanidade e explorar o seu semelhante".




    Brecht criticava as disparidades sociais da sua época:

"Quero fazer um teatro com funções sociais bem definidas. O palco deve refletir a vida real. O público deve ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir como administrar melhor sua vida."






quinta-feira, 16 de abril de 2015

A Dualidade Humana Move O Teatro de Luigi Pirandello

O Teatro Irreverente & Psicológico 
de Luigi Pirandello




    No prefácio "Seis Personagens à Procura de um Autor", Pirandello assim escreve:

"(. . . ) é preciso ficar claro que a mim nunca me satisfez representar uma figura de homem e de mulher, por mais especial e característica, pelo simples gosto de representá-la; narrar um caso particular, alegre ou triste, pelo simples prazer de o narrar; descrever uma paisagem pelo simples prazer de a descrever.

Há alguns autores (e não são poucos) que têm este prazer, e, satisfeitos, não procuram outra mais. São escritores mais propriamente históricos.

Contudo, há outros que, além deste prazer, sentem uma necessidade mais profunda, pelo que admitem apenas figuras, casos, paisagens que se embeberam, por assim dizer, num determinado sentido de vida e, a partir deste, adquirem um valor universal. São escritores de natureza mais propriamente filosófica.

Tenho a desgraça de pertencer a estes últimos."

  Para Pirandello, a realidade aparece em sua raiz profundamente dramática e que a essência do drama está na luta entre a primitiva nudez da vida e a indumentária ou as máscaras com que os homens pretendem ou devem necessariamente revesti-la. 
   A vida nua. Máscaras nuas. Os próprios títulos das obras são altamente significativos.
   A filosofia implícita na arte de Pirandello gira em torno do dualismo fundamental de Vida e Forma, ou como o próprio Pirandello afirma, "Persona" e "Personaggio". Trata-se de dois momentos: o primeiro: sendo a condição bruta, informe disponível para qualquer forma que lhe venha imposta pelo próprio homem ou pela sociedade; o segundo momento: o do personagem ou da forma, sendo essa a condição imóvel em que o homem é obrigado a repetir os mesmos gestos, as mesmas ficções, tornando-se uma parte no jogo das partes. O homem então começa como um nada definido e converte-se numa "construção", pois constrói a si próprio de acordo com os padrões da sociedade.


"O homem, assim, nunca é um, mas ora um, ora outro, portanto é cem mil, 
isto é, nenhum".




   O homem é obrigado a dar-se uma aparência para poder existir: "O existir é um banal reflexo do ser, numa fileira de espelhos". Aliás, a imagem do espelho ocorre em quase todas as suas peças.


"Quando um homem vive, mas não vê a si próprio, bom; coloquem um espelho diante dele e façam que se veja no ato de viver. Ou ficará atônito com sua própria aparência ou desviará os olhos para não se ver, ou então, com nojo, cuspirá em sua imagem, ou, ainda, cerrará os punhos para quebrá-lo. Numa palavra, ocorre uma crise e essa crise é o meu teatro".


   Mais de quarenta são os dramas produzidos por Pirandello durante vinte e cinco nos.




  Trata-se, sobretudo de um teatro de ruptura com a tradição e a convenção, que dominaram a cena italiana do dramaturgo Goldoni em diante; um teatro que se afasta do clima romântico naturalista; um teatro que renuncia a ilusão do real.
   Coloca uma lógica frequentemente perturbadora e impiedosa que leva a afirmar que a arte é verdade, enquanto que a vida é falsa, que a ficção é realidade, que a personagem vive e o homem não.
    A primeira fase da dramaturgia pirandelliana destaca-se graças a duas comédias em dialeto siciliano: "Liolà" e "Pense Nisso, Giacomino!". Ambas escritas no espaço de poucos meses, no ano 1916. O humorismo ensinou-lhe a desmontar a realidade e a individualizar o mecanismo por meio de uma lógica cerrada, à luz da qual há o conto, os fatos; de outro, a consciência, a reflexão destes fatos. Isto quer dizer que o teatro se desdobra sobre si próprio para examinar-se e analisar-se, e adquire dois modos de ser e de expressar-se.


 (Liolà)

(Liolà)

   Em "Pense Nisso, Giacomino!", estes dois níveis estão presentes. De um lado estão aqueles que, súcubos de um falso formalismo moral, oferecem ao autor a ocasião para uma reconstrução objetiva dos fatos; do outro lado, o professor Toti que, por sua rebeldia a ambiguidade de normas injustas, coloca-se como individualidade subjetiva, favorece uma revisão crítica da situação quanto à sua inferioridade.
   O descompasso que surge na colisão destes dois planos abre o caminho para um novo teatro, ou melhor, para uma nova consciência do teatro que já se delineia nitidamente.






(italiano)

(italiano)

(italiano)

   Em "Assim é (Se lhe Parece)" o drama não é mais uma versão dos fatos concretos, encaminhados para uma conclusão, mas traduz uma situação aberta a todas as possíveis soluções, ligada aquele descompasso que surge toda vez que a sociedade se coloca contra o mundo do indivíduo e o exclui do ritmo normal das coisas. A introdução do personagem Laudisi é o fato novo do drama, o elemento que permite uma renovação interna do próprio momento teatral. A sua presença constante, as atitudes sarcásticas que interpretam o movimento dos outros protagonistas o diferenciam. E significa que o drama está em função do personagem Laudisi, ao passo que os outros personagens o são em função do drama.






(italiano)

(italiano)

   Nesta busca de um novo teatro ocupam um lugar importante: as obras escritas entre os anos 1917 e 1920, pois elas se identificam cada vez mais com uma "situação" e cada vez menos com uma "representação", enquanto que os personagens começam a perder o clichê de intérpretes de um papel, para se tornarem criadores do próprio caso.
    O mesmo se dá com Leone Gala em "O Jogo das Partes". A esposa Silia trai e procura matar.   O fato não se desenrola nos termos previsíveis, pois é Leone que segura as rédeas do jogo. No momento do duelo exigido pela esposa, Leone envia o seu rival, pois compete ao amante defender a honra de Silia: o amante, para Leone, é o verdadeiro marido. O episódio se enriquece de uma lógica capciosa, que coloca na sombra o enredo dos acontecimentos, para ocupar-se do íntimo dos personagens, de suas relações com eles próprios e com os outros. Eles alcançaram a capacidade de se verem vivendo e de ver os outros viverem.

"Contentar-se — afirma Leone — não só em viver unicamente por nós mesmos, mas em olhar os outros viverem, e também ver-nos nós mesmos vivendo, por aquele pouco que somos obrigados a viver".


   Chegamos aos "Seis Personagens à Procura de um Autor", e à "Henrique IV". Um teatro no teatro.
   É útil considerar o porquê das deformidades físicas ou psíquicas das criaturas pirandellianas. O personagem deforme e infeliz por aquele "além mais" que está condenado a procurar e não consegue encontrar. Esse repertório do deforme é, portanto, devido não ao fato de o autor "perceber o contrário", o que resultaria na comicidade, mas no de "sentir o contrário": um particular sentimento do mundo.


    Aliás, o ensaio pirandelliano "L'Umorismo" pode ser considerado o prefácio cronológico e ideológico de toda a obra dramática: a concepção nele lançada se tornará o motivo central do teatro pirandelliano.

"O humorismo... leva a refletir que a vida, não sendo fatalmente, pela razão humana, um fim claro e determinado, deve, para não andar às cegas na escuridão, ter um fim particular, fictício, ilusório, para cada homem, seja baixo ou alto".


   A consciência crítica da ficção assumida como realidade é o princípio que preside a teoria crítica do humorismo e à sua presença ativa na obra pirandelliana. O humorismo, como e entende esteticamente Pirandello, deve encontrar uma matéria resistente com a qual colidir, e essa resistência de si, dos equívocos que o defrontam, dos condicionamentos que lhe são impostos pela sociedade, e enfim, de toda aquela resistência externa ou equivocamente  interior (pois ele pode fingir ser sua a falsa realidade imposta), que viola a sua individualidade e liberdade. 
   O humorismo comporta assim a consciência da alienação, da deformação do eu que os outros impõem, e é também a consciência da luta que o eu alienado trava para se livrar dos condicionamentos. O humorista sabe que a simulação da força, da honestidade, da prudência, é uma forma de adaptação, um hábil instrumento de luta. 


   O artista não humorista tende a fixar a vida numa forma. O humorista, ao contrário, reflete a vida, a realidade, na sua multiplicidade possível e imprevisível.
    O objetivo de Pirandello é, então, refletir e exprimir o contraste entre o que parece e o que deve ser é colher a mascarada frustração. Para Pirandello, não estar em crise ou estar em outra época, é o homem ontologicamente "decadente", quaisquer que sejam suas situações históricas.




   A fórmula o teatro no teatro englobam as peças "Seis Personagens à Procura de um Autor", "Cada Um à Sua Maneira", "Esta Noite Se Improvisa" e "Henrique IV". 
   Pirandello os une por um propósito comum. Ele procura forjar um teatro vivo, destruindo as ilusões do teatro realista; pretende tomar o maior espaço possível no palco, isto é, integrar a vida no teatro; o enredo se faz ação, as pessoas dissolvidas, desfeitas pela problemática, se realizam no palco como personagens. Os atores já não fingem mais ser personagens, estão fingindo ser atores. O público é uma componente indispensável e fundamental do espetáculo, até o paradoxo de não haver diferença entre atores e espectadores, pois cada momento os papéis poderiam ser trocados. A platéia então não é mais uma presença respectiva, e sim, uma protagonista ativa, uma intervenção necessária, tanto quanto a do autor e dos protagonistas. Não é um teatro-apresentação, mas um teatro ação.
   De Catris escreve:

"Em cada drama de Pirandello há implicitamente uma tragédia, uma só e recorrente tragédia; em cada caso objetivamente concluído, o desespero de um caso sem princípio nem fim: isto é, na múltipla comédia da “persona" a unitária tragédia do "personagem".



   A dialética das dimensões fundamentais da representação pirandelliana, a realística e a simbólica, permite então a intrínseca espontaneidade da relação situação-condição, persona-personagem, realidade-ficcção cênica.
   Na peça "Seis Personagens à Procura de um Autor" constitui o vértice mais expressivo no inteiro arco do teatro pirandelliano. No prefácio ele já adiante que esboçara seis membros de uma família como tema para uma "novela magnífica". Os personagens pretendiam do autor o ato de vida que os realizasse. Eles, portanto, pediam que o autor de suas "pessoas, casos, paixões" dize-se uma história. Mas a arte do autor não pode oferecer; uma representação histórica (isto é, desinteressante) daqueles conteúdos; a arte do autor precisa de um sentido universal, e o criador, portanto não poderá fazer com que os personagens sejam representados, pois não vê naquelas paixões um sentido que lhes dê valor.    


   Ainda afirma que os personagens que o tentavam e que ele recusa, tinham-se já separado dele, tornando-se autônomos na luta que travavam com o Autor para viverem, personagens dramáticos, personagens que podem por eles próprios mover e falar, pois já se enxergam como tais. A função dada a eles é aquela situação impossível, o drama de estar à procura de um autor.
   A renúncia à história dos "Seis Personagens.." é a renúncia da arte sobre a todo teatro burguês, que não era outra coisa senão um contínuo discurso sobre a família, considerada a principal instituição da sociedade.
   Pirandello afirma a superioridade da arte sobre a vida, por tratar-se de criação imutável, mas nem por isso estática e perecível.



   O drama apresenta também inovações técnicas; a comédia não apresenta atos nem cenas. A representação será interrompida uma primeira vez, sem que o sipário seja fechado, quando o Diretor do teatro e o Diretor de cena se afastarão para arrumar o cenário e os Atores esvaziarão o palco; uma segunda vez, quando por erro, o maquinista abaixará o sipário.
   As didascálias (rubrica) sugerem soluções completamente novas, construção de cena com métodos e processo cinematográfico, em que há simbiose de movimento-gesto-palavra.
   As operações são feitas à vista do público, tais como a ordem de acender os refletores, de situar o ponto, com o manuscrito da peça bem aberto na frente. Por uns minutos, o próprio público sente-se ator, hábil expediente conseguido com a presença dos seis personagens na platéia, à espera de serem atendidos pelo Diretor.
   Pirandello usa refletores para isolar o personagem, de evidenciar também, ao nível de visibilidade simbólica e a supra-realista, o vulto. A mímica móvel ou a posição imóvel, a indumentária.
   Ele também faz questão diferenciar materialmente os Personagens dos Atores. O meio mais eficaz e idôneo por ele sugerido é o uso de máscaras especiais, que deixem livres os olhos, as narinas e a boca.


   O personagem pirandelliano fica sem autor e perenemente à sua procura, privado de um destino autêntico e sempre forçado contestar a obrigação de assumir um destino inautêntico.
   Os nomes e sobrenomes desaparecem: o Pai, a Mãe, A Enteada, O Filho, o Rapaz e a Criança, são puras indicações de relação familiar.
   Podemos concluir que há um processo radial de destruição do teatro burguês quando:

  1. O palco desprovido de petrechos, despido.
  2. O fato de que os atores não conseguem representar sequer um trecho da comédia à ordem do Diretor "Atenção! Atenção!" entram imediatamente em cena os seis personagens
  3. A divisão da peça em duas partes, separadas aparentemente ao acaso, como sugere a didascália (a recusa da divisão em atos do teatro burguês).

  A cena só consegue ser realizada parcialmente e o próprio final do drama é mímico, a Criança morre afogada, o Rapaz suicida-se com um tiro de pistola, a Enteada foge, os outros três personagens abandonaram o palco. Há exatamente a representação da história rejeitada.   
   O autor só completou duas cenas do drama, uma na loja de roupas de Madame Pace, a outra no jardim do Pai, pois são cenas que descreve a pré-história do personagem, isto é, decomposição da "persona". Na primeira parte da peça, é apresentada quase que toda a trama do drama a ser composto. Na segunda parte, há a tentativa de dramatizar essa trama que o público conhece.
  O anseio dos personagens é um anseio de ser, de encontrar libertação naquele absoluto que somente a fórmula artística pode lhes oferecer.
   Contudo, para viver, isto é, escapar à solidão da sua condição de personagem de ser autor, ele deve aceitar a humorística realidade de uma dimensão aparente, deve resignar-se a se fazer representar, a ser reduzido à dimensão vital  dos homens. A angústia do personagem está em ter que trair a sua altíssima tragédia de personagem.
   Traduzido em termos estéticos, há o conflito entre a fantasia, que desejaria suas criaturas no seu originário clima vital, e a imaginação ávida de ver e tocar essas criaturas no mundo figurado e carnal.


(espanhol)

   Em "Cada um à Sua Maneira", é levar para o palco o enredo do suicido de Giorgino Salvi. Surge um debate entre os personagens no palco; debatem-se também os espectadores fictícios; as opiniões mudam e se acumulam numa reviravolta de contradições. As pessoas envolvidas, furiosas, atacam o autor e os atores, o sipário é necessariamente fechado. A peça fica assim desprovida do terceiro ato, já que não pode ser expresso na sua plenitude por causa do conflito que explode entre os personagens da arte e os personagens da crônica.
     Nessa peça encontramos níveis diferentes de espectadores:

  1. os protagonistas.
  2. do público dá-se nos dois inspiradores reais do drama representado.
  3. espectadores fictícios.
  4. público verdadeiro.
    O ritmo é de simulação-desmascaramento, e o teatro como já observamos, está aberto à platéia.
   Representa-se aquele sentimento de total naufrágio que envolve o público e todos os protagonistas.
  A importância do drama está principalmente na firme e exata resposta pirandelliana com respeito à relação autor-diretor, de cena-atores.
    É a arte cênica que deve-se libertar da escravidão do texto literário. Recusa-se a forma perene da arte, pois a arte, assim como a vida, vive em muitas e diversas formas, na forma que cada vez lhe é dada.
    A influência de Pirandello é tão grandiosa que chegou aqui no Brasil influenciando o grande escritor Érico Veríssimo no começo de sua carreia no seu primeiro livro "Fantoches" (1932). Nele, Érico escreve um conto chamado "Creaturas Versus Creador", usando parcela de lógica das "Seis Personagens..." e "O Cavalheiro de Negra Memória",  que lembra "Cada Um, A Sua Maneira".





   Já em "Henrique IV", não existe o descompasso autor-personagem, pois Henrique é o indivíduo que impõe aos outros o seu teatro, dirigindo a ação cênica, assim criando sua história.  
   Não temos mais um palco despido, mas uma vila luxuosa transformada num castelo medieval, onde vive o nobre italiano.
   O uso sagaz dos advérbios de tempo "hoje, amanhã, ontem" marca o gráfico de um movimento circular que abrange o presente, o futuro, o passado, e sempre se repete “lábil”, sem variações, sem sentido.



    A última produção teatral de Pirandello é a produção das três utopias:

1.     a utopia social em "A Nova Colônia".
2.     a utopia religiosa em "Lazzaro".
3.     a utopia estética em "Os Gigantes da Montanha".

    Ele tenta uma arte fora da realidade, em que a fantasia possa criar e se identificar com os movimentos interiores da alma num território indefinível e incontrolável pela lógica. O mito, como força de arte irracional com sentido nela própria, não mais ligada e um compromisso com a realidade.