Jean
Paul Sartre afirma:
"O Inferno São Os Outros"
O filósofo
existencialista francês Jean-Paul Sartre, além das famosas obras filosóficas
escreveu romances, contos, peças teatrais e atuou também como crítico literário,
e de artes e também ativista militante. Considerado precursor do
existencialismo moderno, o Sartriano será ainda mais radical, posto que ateu.
Mas ele irá afirmar que antes mesmo de uma
consciência intencional há, de fato, uma espécie de vazio, como se nossa
consciência fosse uma tabula rasa, uma folha de papel em branco, um lugar onde
repousa a liberdade absoluta e de onde, a partir daí, as escolhas serão
conscientemente apontadas.
Esse seria então o ser da consciência
humana: um nada que se projeta para se tornar algo: “A consciência não é uma
entidade ”espiritual” pré-concebida, mas uma intencionalidade que não é nada em
si mesma, mas que tem de formar-se com o mundo no qual está”. Sartre
surpreende, ao afirmar: “a existência precede a essência”, ou seja, não há
essência humana anterior a existência do homem. Para ele:
“O homem (existe)
primeiro e somente depois ele é isto ou aquilo: é lançando-se no mundo,
sofrendo nele, lutando nele que aos poucos ele se define, e a definição
permanece sempre aberta”.
Se o homem se apresentou no mundo sem ser concebido
por algum projeto divino, cabe a ele produzir sua própria essência, será o que
fizer de si mesmo. Eis o primeiro princípio do existencialismo ateu.
Sartre salienta que quando nos abstemos da
responsabilidade por nossas escolhas, estamos agindo segundo aquilo que
denominou “má fé” da consciência, ou seja, estamos nos isentando de atentar
para a liberdade que temos à nossa inteira disposição, de graça. A má fé
consiste em fingirmos não ser livres e podemos então, debitar nossa
infelicidade ou fracasso à causas externas a nós. Sartre chama isso de
covardia.
Esse “ser”, construído através daquilo que
se escolhe (até mesmo quando não se escolhe já está se escolhendo) pode ser
explicitado também através da relação com os outros. Essa relação se dá pela
experiência do olhar, do corpo. O olhar do outro me objetiva, me torna real. O
outro atesta minha existência e isso instiga e inquieta. Desencadeia uma
crise de aceitação, pois só desejo ver refletido no outro o melhor de mim
mesmo. Porém, o outro enxerga mais do que gostaríamos, desconhece nossas
motivações interiores.
Na peça teatral “Entre Quatro Paredes”(1944), Sartre pondera sobre a questão da imagem e ilustra suas ideias
filosóficas. A fenomenologia do Outro e do “ser para outro” foi um dos mais bem
acabados pensamentos de Sartre. A dialética humana de “ser um com o outro” é
central: ver e ser visto corresponde a dominar e a ser dominado.
Após morrer, três indivíduos vão parar no
inferno (não se trata do estereotipado inferno cristão com diabinhos, fornalhas
etc.). Garcin era um homem de letra pretendia ser um herói e foi um covarde.
Seu maior tormento é que suas novas companheiras desvendam sua condição de
covardia, que não pode ser mudada. É em vão que luta para fugir do rótulo de
covarde.
Estelle é uma fútil
burguesa que ascendeu socialmente pelo casamento. Em nome do conforto,
assassinou o bebê que teve com o amante e vê este, tomado pelo desgosto,
suicidar-se. Tenta redimir-se atribuindo sua culpa ao destino. Deseja a paixão
como forma de escapar à realidade.
Inês é homossexual,
funcionária dos correios, agressiva, admite suas culpas. É a única que não
procura se desculpar e compreende estar no inferno. O ódio a alimenta; sádica,
goza com o sofrimento dos outros.
Não foram parar no
inferno a toa: cada um responde por um crime. Estão confinados numa sala, sem
espelhos, sem necessidade de se alimentar ou de dormir, por toda eternidade.
São obrigados a se verem através dos olhos dos outros; olhos esses que não
teriam sido os escolhidos para se conviver. Vaidosa e egoísta, é patético o
desespero de Estelle por um espelho. Inês arregala os olhos para que ela possa
se enxergar: ela se vê, tão pequenina... Tudo isso os incomoda bastante, pois
não conseguem enganar uns aos outros por muito tempo e, aos poucos vão se
constrangendo cada vez mais.
Inês tentará
conquistar Estelle, que a repudiará. Estelle, por sua vez, buscará a paixão de
Garcin, que a ignora. Inês, interessada em Estelle, jogará um contra o outro,
explicitando as faltas deploráveis de ambos; faltas essas que nenhum quer
admitir. Numa convivência insuportável, Estelle, revoltada, tenta matar Inês,
mas ela dá boas gargalhadas: já está morta. Garcin tenta, inutilmente,
convencê-la de que não é um covarde. Não conseguindo, tenta se vingar amando
Estelle diante de Inês.
Sem que possam
sequer expiar suas faltas, descobrem o horror da nudez psíquica que os outros
lhes evidenciam. Está revelado o verdadeiro inferno: a consciência não pode
furtar-se a enfrentar outra consciência que a denuncia, por isso: “o inferno
são os outros”.
“Os outros” são
todos aqueles que, voluntária ou involuntariamente, revelam de nós a nós
mesmos. Algumas vezes, mesmo sufocados pela indesejada presença do outro,
tememos magoar, romper, ferir e, a contra-gosto, os suportamos. Uma vez que a
incapacidade de compreender e aceitar as fraquezas humanas torna a convivência
realmente um inferno, o angustiante existencialismo ateu Sartriano não nos
deixa saída. Sem o mínimo de boa-vontade, não há paraíso possível.
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