O Teatro
Irreverente & Psicológico
de Luigi Pirandello
No
prefácio "Seis Personagens à Procura de um Autor", Pirandello assim
escreve:
"(. . . ) é
preciso ficar claro que a mim nunca me satisfez representar uma figura de homem
e de mulher, por mais especial e característica, pelo simples gosto de
representá-la; narrar um caso particular, alegre ou triste, pelo simples prazer
de o narrar; descrever uma paisagem pelo simples prazer de a descrever.
Há alguns autores (e
não são poucos) que têm este prazer, e, satisfeitos, não procuram outra mais.
São escritores mais propriamente históricos.
Contudo, há outros
que, além deste prazer, sentem uma necessidade mais profunda, pelo que admitem
apenas figuras, casos, paisagens que se embeberam, por assim dizer, num
determinado sentido de vida e, a partir deste, adquirem um valor universal. São
escritores de natureza mais propriamente filosófica.
Tenho a desgraça de
pertencer a estes últimos."
Para Pirandello, a realidade aparece em sua raiz
profundamente dramática e que a essência do drama está na luta entre a
primitiva nudez da vida e a indumentária ou as máscaras com que os homens
pretendem ou devem necessariamente revesti-la.
A vida nua. Máscaras nuas. Os
próprios títulos das obras são altamente significativos.
A filosofia
implícita na arte de Pirandello gira em torno do dualismo fundamental de Vida e
Forma, ou como o próprio Pirandello afirma, "Persona" e
"Personaggio". Trata-se de dois momentos: o primeiro: sendo a
condição bruta, informe disponível para qualquer forma que lhe venha imposta pelo
próprio homem ou pela sociedade; o segundo momento: o do personagem ou da
forma, sendo essa a condição imóvel em que o homem é obrigado a repetir os
mesmos gestos, as mesmas ficções, tornando-se uma parte no jogo das partes. O
homem então começa como um nada definido e converte-se numa
"construção", pois constrói a si próprio de acordo com os padrões da
sociedade.
"O homem, assim, nunca é um,
mas ora um, ora outro, portanto é cem mil,
isto é, nenhum".
O homem é
obrigado a dar-se uma aparência para poder existir: "O existir é um banal
reflexo do ser, numa fileira de espelhos". Aliás, a imagem do espelho
ocorre em quase todas as suas peças.
"Quando um homem vive, mas
não vê a si próprio, bom; coloquem um espelho diante dele e façam que se veja
no ato de viver. Ou ficará atônito com sua própria aparência ou desviará os
olhos para não se ver, ou então, com nojo, cuspirá em sua imagem, ou, ainda,
cerrará os punhos para quebrá-lo. Numa palavra, ocorre uma crise e essa crise é
o meu teatro".
Mais de
quarenta são os dramas produzidos por Pirandello durante vinte e cinco nos.
Trata-se,
sobretudo de um teatro de ruptura com a tradição e a convenção, que dominaram a
cena italiana do dramaturgo Goldoni em diante; um teatro que se afasta do clima
romântico naturalista; um teatro que renuncia a ilusão do real.
Coloca uma lógica frequentemente
perturbadora e impiedosa que leva a afirmar que a arte é verdade, enquanto que
a vida é falsa, que a ficção é realidade, que a personagem vive e o homem não.
A primeira fase da dramaturgia pirandelliana
destaca-se graças a duas comédias em dialeto siciliano: "Liolà" e "Pense
Nisso, Giacomino!". Ambas escritas no espaço de poucos meses, no ano 1916.
O humorismo ensinou-lhe a desmontar a realidade e a individualizar o mecanismo
por meio de uma lógica cerrada, à luz da qual há o conto, os fatos; de outro, a
consciência, a reflexão destes fatos. Isto quer dizer que o teatro se desdobra
sobre si próprio para examinar-se e analisar-se, e adquire dois modos de ser e
de expressar-se.
(Liolà)
(Liolà)
Em "Pense Nisso, Giacomino!",
estes dois níveis estão presentes. De um lado estão aqueles que, súcubos de um
falso formalismo moral, oferecem ao autor a ocasião para uma reconstrução
objetiva dos fatos; do outro lado, o professor Toti que, por sua rebeldia a
ambiguidade de normas injustas, coloca-se como individualidade subjetiva,
favorece uma revisão crítica da situação quanto à sua inferioridade.
O
descompasso que surge na colisão destes dois planos abre o caminho para um novo
teatro, ou melhor, para uma nova consciência do teatro que já se delineia
nitidamente.
(italiano)
(italiano)
(italiano)
Em "Assim é (Se lhe Parece)" o drama não é mais uma
versão dos fatos concretos, encaminhados para uma conclusão, mas traduz uma
situação aberta a todas as possíveis soluções, ligada aquele descompasso que
surge toda vez que a sociedade se coloca contra o mundo do indivíduo e o exclui
do ritmo normal das coisas. A introdução do personagem Laudisi é o fato novo do
drama, o elemento que permite uma renovação interna do próprio momento teatral.
A sua presença constante, as atitudes sarcásticas que interpretam o movimento
dos outros protagonistas o diferenciam. E significa que o drama está em função
do personagem Laudisi, ao passo que os outros personagens o são em função do
drama.
(italiano)
(italiano)
Nesta
busca de um novo teatro ocupam um lugar importante: as obras escritas entre os
anos 1917 e 1920, pois elas se identificam cada vez mais com uma
"situação" e cada vez menos com uma "representação",
enquanto que os personagens começam a perder o clichê de intérpretes de um
papel, para se tornarem criadores do próprio caso.
O
mesmo se dá com Leone Gala em "O Jogo das Partes". A esposa Silia
trai e procura matar. O fato não se desenrola
nos termos previsíveis, pois é Leone que segura as
rédeas do jogo. No momento do duelo exigido pela esposa, Leone envia o seu
rival, pois compete ao amante defender a honra de Silia: o amante, para Leone,
é o verdadeiro marido. O episódio se enriquece de uma lógica capciosa, que
coloca na sombra o enredo dos acontecimentos, para ocupar-se do íntimo dos
personagens, de suas relações com eles próprios e com os outros. Eles
alcançaram a capacidade de se verem vivendo e de ver os outros viverem.
"Contentar-se
— afirma Leone — não só em viver unicamente por nós mesmos, mas em olhar os
outros viverem, e também ver-nos nós mesmos vivendo, por aquele pouco que somos
obrigados a viver".
Chegamos aos "Seis Personagens à Procura
de um Autor", e à "Henrique IV". Um teatro no teatro.
É útil considerar o porquê das deformidades
físicas ou psíquicas das criaturas pirandellianas. O personagem deforme e
infeliz por aquele "além mais" que está condenado a procurar e não
consegue encontrar. Esse repertório do deforme é, portanto, devido não ao fato
de o autor "perceber o contrário", o que resultaria na comicidade,
mas no de "sentir o contrário": um particular sentimento do mundo.
Aliás, o ensaio pirandelliano "L'Umorismo"
pode ser considerado o prefácio cronológico e ideológico de toda a obra
dramática: a concepção nele lançada se tornará o motivo central do teatro
pirandelliano.
"O humorismo...
leva a refletir que a vida, não sendo fatalmente, pela razão humana, um fim
claro e determinado, deve, para não andar às cegas na escuridão, ter um fim
particular, fictício, ilusório, para cada homem, seja baixo ou alto".
A consciência crítica da ficção assumida
como realidade é o princípio que preside a teoria crítica do humorismo e à sua
presença ativa na obra pirandelliana. O humorismo, como e entende esteticamente Pirandello, deve encontrar
uma matéria resistente com a qual colidir, e essa resistência de si, dos
equívocos que o defrontam, dos condicionamentos que lhe são impostos pela sociedade,
e enfim, de toda aquela resistência externa ou equivocamente interior (pois ele pode fingir ser sua a
falsa realidade imposta), que viola a sua individualidade e
liberdade.
O humorismo comporta assim a consciência da alienação, da deformação
do eu que os outros impõem, e é também a consciência da luta que o eu alienado
trava para se livrar dos condicionamentos. O humorista sabe que a simulação da
força, da honestidade, da prudência, é uma forma de adaptação, um hábil
instrumento de luta.
O artista não humorista tende a fixar a vida
numa forma. O humorista, ao contrário, reflete a vida, a realidade, na sua
multiplicidade possível e imprevisível.
O
objetivo de Pirandello é, então, refletir e exprimir o contraste entre o que
parece e o que deve ser é colher a mascarada frustração. Para Pirandello, não
estar em crise ou estar em outra época, é o homem ontologicamente
"decadente", quaisquer que sejam suas situações históricas.
A
fórmula o teatro
no teatro englobam as peças "Seis Personagens à Procura de um Autor",
"Cada Um à Sua Maneira", "Esta Noite Se Improvisa" e
"Henrique IV".
Pirandello os
une por um propósito comum. Ele procura forjar um teatro vivo, destruindo as
ilusões do teatro realista; pretende tomar o maior espaço possível no palco,
isto é, integrar a vida no teatro; o enredo se faz ação, as pessoas
dissolvidas, desfeitas pela problemática, se realizam no palco como
personagens. Os atores já não fingem mais ser personagens, estão fingindo ser
atores. O público é uma componente indispensável e fundamental do espetáculo,
até o paradoxo de não haver diferença entre atores e espectadores, pois cada
momento os papéis poderiam ser trocados. A platéia então não é mais uma
presença respectiva, e sim, uma protagonista ativa, uma intervenção necessária,
tanto quanto a do autor e dos protagonistas. Não é um teatro-apresentação, mas
um teatro ação.
De
Catris escreve:
"Em cada drama de Pirandello há implicitamente uma tragédia, uma só e recorrente tragédia; em cada caso objetivamente concluído, o desespero de um caso sem princípio nem fim: isto é, na múltipla comédia da “persona" a unitária tragédia do "personagem".
A dialética das dimensões
fundamentais da representação pirandelliana, a realística e a simbólica,
permite então a intrínseca espontaneidade da relação situação-condição,
persona-personagem, realidade-ficcção cênica.
Na peça "Seis
Personagens à Procura de um Autor" constitui o vértice mais expressivo no
inteiro arco do teatro pirandelliano. No prefácio ele já adiante que esboçara
seis membros de uma família como tema para uma "novela magnífica". Os
personagens pretendiam do autor o ato de vida que os realizasse. Eles,
portanto, pediam que o autor de suas "pessoas, casos, paixões"
dize-se uma história. Mas a arte do autor não pode oferecer; uma representação
histórica (isto é, desinteressante) daqueles conteúdos; a arte do autor precisa
de um sentido universal, e o criador, portanto não poderá fazer com que os
personagens sejam representados, pois não vê naquelas paixões um sentido que
lhes dê valor.
Ainda afirma que os personagens que o
tentavam e que ele recusa, tinham-se já separado dele, tornando-se autônomos na
luta que travavam com o Autor para viverem, personagens dramáticos, personagens
que podem por eles próprios mover e falar, pois já se enxergam como tais. A
função dada a eles é aquela situação impossível, o drama de estar à procura de
um autor.
A renúncia à história dos "Seis Personagens.."
é a renúncia da arte sobre a todo teatro burguês, que não era outra coisa senão
um contínuo discurso sobre a família, considerada a principal instituição da
sociedade.
Pirandello afirma a superioridade da arte
sobre a vida, por tratar-se de criação imutável, mas nem por isso estática e
perecível.
O drama apresenta também inovações técnicas;
a comédia não apresenta atos nem cenas. A representação será interrompida uma
primeira vez, sem que o sipário seja fechado, quando o Diretor do teatro e o
Diretor de cena se afastarão para arrumar o cenário e os Atores esvaziarão o
palco; uma segunda vez, quando por erro, o maquinista abaixará o sipário.
As didascálias (rubrica) sugerem soluções
completamente novas, construção de cena com métodos e processo cinematográfico,
em que há simbiose de movimento-gesto-palavra.
As operações são feitas à vista do público,
tais como a ordem de acender os refletores, de situar o ponto, com o manuscrito
da peça bem aberto na frente. Por uns minutos, o próprio público sente-se ator,
hábil expediente conseguido com a presença dos seis personagens na platéia, à
espera de serem atendidos pelo Diretor.
Pirandello usa refletores para isolar o
personagem, de evidenciar também, ao nível de visibilidade simbólica e a
supra-realista, o vulto. A mímica móvel ou a posição imóvel, a indumentária.
Ele também faz questão diferenciar
materialmente os Personagens dos Atores. O meio mais eficaz e idôneo por ele
sugerido é o uso de máscaras especiais, que deixem livres os olhos, as narinas
e a boca.
O personagem pirandelliano fica sem autor e
perenemente à sua procura, privado de um destino autêntico e sempre forçado
contestar a obrigação de assumir um destino inautêntico.
Os nomes e sobrenomes desaparecem: o Pai, a
Mãe, A Enteada, O Filho, o Rapaz e a Criança, são puras indicações de relação
familiar.
Podemos concluir que há um processo radial
de destruição do teatro burguês quando:
- O palco desprovido de petrechos,
despido.
- O fato de que os atores não
conseguem representar sequer um trecho da comédia à ordem do Diretor "Atenção!
Atenção!" entram imediatamente em cena os seis personagens
- A divisão da peça em duas partes,
separadas aparentemente ao acaso, como sugere a didascália (a recusa da
divisão em atos do teatro burguês).
A
cena só consegue ser realizada parcialmente e o próprio final do drama é mímico,
a Criança morre afogada, o Rapaz suicida-se com um tiro de pistola, a Enteada
foge, os outros três personagens abandonaram o palco. Há exatamente a
representação da história rejeitada.
O autor só completou duas cenas do drama,
uma na loja de roupas de Madame Pace, a outra no jardim do Pai, pois são cenas
que descreve a pré-história do personagem, isto é, decomposição da
"persona". Na primeira parte da peça, é apresentada quase que toda a
trama do drama a ser composto. Na segunda parte, há a tentativa de dramatizar
essa trama que o público conhece.
O anseio dos personagens é um anseio de ser,
de encontrar libertação naquele absoluto que somente a fórmula artística pode
lhes oferecer.
Contudo,
para viver, isto é, escapar à solidão da sua condição de personagem de ser
autor, ele deve aceitar a humorística realidade de uma dimensão aparente, deve
resignar-se a se fazer representar, a ser reduzido à dimensão vital dos homens. A angústia do personagem está em
ter que trair a sua altíssima tragédia de personagem.
Traduzido em termos estéticos, há o conflito
entre a fantasia, que desejaria suas criaturas no seu originário clima vital, e
a imaginação ávida de ver e tocar essas criaturas no mundo figurado e carnal.
(espanhol)
Em "Cada um à
Sua Maneira", é levar para o palco o enredo do suicido de Giorgino Salvi. Surge um
debate entre os personagens no palco; debatem-se também os espectadores
fictícios; as opiniões mudam e se acumulam numa reviravolta de contradições. As
pessoas envolvidas, furiosas, atacam o autor e os atores, o sipário é
necessariamente fechado. A peça fica assim desprovida do terceiro ato, já que
não pode ser expresso na sua plenitude por causa do conflito que explode entre
os personagens da arte e os personagens da crônica.
Nessa peça encontramos níveis diferentes de
espectadores:
- os protagonistas.
- do público dá-se nos dois
inspiradores reais do drama representado.
- espectadores fictícios.
- público verdadeiro.
O ritmo é de simulação-desmascaramento, e o
teatro como já observamos, está aberto à platéia.
Representa-se aquele sentimento de total
naufrágio que envolve o público e todos os protagonistas.
A importância do drama está principalmente
na firme e exata resposta pirandelliana com respeito à relação autor-diretor,
de cena-atores.
É a arte cênica que deve-se libertar da
escravidão do texto literário. Recusa-se a forma perene da arte, pois a arte,
assim como a vida, vive em muitas e diversas formas, na forma que cada vez lhe
é dada.
A influência de Pirandello é tão grandiosa que chegou aqui no Brasil influenciando o grande escritor Érico Veríssimo no começo de sua carreia no seu primeiro livro "Fantoches" (1932). Nele, Érico escreve um conto chamado "Creaturas Versus Creador", usando parcela de lógica das "Seis Personagens..." e "O Cavalheiro de Negra Memória", que lembra "Cada Um, A Sua Maneira".
Já em "Henrique
IV", não existe o descompasso autor-personagem, pois Henrique é o indivíduo
que impõe aos outros o seu teatro, dirigindo a ação cênica, assim criando sua
história.
Não temos mais um palco despido, mas uma
vila luxuosa transformada num castelo medieval, onde vive o nobre italiano.
O uso sagaz dos advérbios de tempo
"hoje, amanhã, ontem" marca o gráfico de um movimento circular que
abrange o presente, o futuro, o passado, e sempre se repete “lábil”, sem
variações, sem sentido.
A última produção teatral de Pirandello é a
produção das três utopias:
1.
a utopia social em "A Nova
Colônia".
2.
a utopia religiosa em
"Lazzaro".
3.
a utopia estética em "Os Gigantes
da Montanha".
Ele
tenta uma arte fora da realidade, em que a fantasia possa criar e se
identificar com os movimentos interiores da alma num território indefinível e
incontrolável pela lógica. O mito, como força de arte irracional com sentido
nela própria, não mais ligada e um compromisso com a realidade.
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