O filósofo
existencialista francês Jean-Paul Sartre, além das famosas obras filosóficas
escreveu romances, contos, peças teatrais e atuou também como crítico literário,
e de artes e também ativista militante. Considerado precursor do
existencialismo moderno, o Sartriano será ainda mais radical, posto que ateu.
Mas ele irá afirmar que antes mesmo de uma
consciência intencional há, de fato, uma espécie de vazio, como se nossa
consciência fosse uma tabula rasa, uma folha de papel em branco, um lugar onde
repousa a liberdade absoluta e de onde, a partir daí, as escolhas serão
conscientemente apontadas.
Esse seria então o ser da consciência
humana: um nada que se projeta para se tornar algo: “A consciência não é uma
entidade ”espiritual” pré-concebida, mas uma intencionalidade que não é nada em
si mesma, mas que tem de formar-se com o mundo no qual está”. Sartre
surpreende, ao afirmar: “a existência precede a essência”, ou seja, não há
essência humana anterior a existência do homem. Para ele:
“O homem (existe)
primeiro e somente depois ele é isto ou aquilo: é lançando-se no mundo,
sofrendo nele, lutando nele que aos poucos ele se define, e a definição
permanece sempre aberta”.
Se o homem se apresentou no mundo sem ser concebido
por algum projeto divino, cabe a ele produzir sua própria essência, será o que
fizer de si mesmo. Eis o primeiro princípio do existencialismo ateu.
Sartre salienta que quando nos abstemos da
responsabilidade por nossas escolhas, estamos agindo segundo aquilo que
denominou “má fé” da consciência, ou seja, estamos nos isentando de atentar
para a liberdade que temos à nossa inteira disposição, de graça. A má fé
consiste em fingirmos não ser livres e podemos então, debitar nossa
infelicidade ou fracasso à causas externas a nós. Sartre chama isso de
covardia.
Esse “ser”, construído através daquilo que
se escolhe (até mesmo quando não se escolhe já está se escolhendo)pode ser
explicitado também através da relação com os outros. Essa relação se dá pela
experiência do olhar, do corpo. O olhar do outro me objetiva, me torna real. O
outro atesta minha existência e isso instiga e inquieta. Desencadeia uma
crise de aceitação, pois só desejo ver refletido no outro o melhor de mim
mesmo. Porém, o outro enxerga mais do que gostaríamos, desconhece nossas
motivações interiores.
Na peça teatral “Entre Quatro Paredes”(1944), Sartre pondera sobre a questão da imagem e ilustra suas ideias
filosóficas. A fenomenologia do Outro e do “ser para outro” foi um dos mais bem
acabados pensamentos de Sartre. A dialética humana de “ser um com o outro” é
central: ver e ser visto corresponde a dominar e a ser dominado.
Após morrer, três indivíduos vão parar no
inferno (não se trata do estereotipado inferno cristão com diabinhos, fornalhas
etc.). Garcin era um homem de letra pretendia ser um herói e foi um covarde.
Seu maior tormento é que suas novas companheiras desvendam sua condição de
covardia, que não pode ser mudada. É em vão que luta para fugir do rótulo de
covarde.
Estelle é uma fútil
burguesa que ascendeu socialmente pelo casamento. Em nome do conforto,
assassinou o bebê que teve com o amante e vê este, tomado pelo desgosto,
suicidar-se. Tenta redimir-se atribuindo sua culpa ao destino. Deseja a paixão
como forma de escapar à realidade.
Inês é homossexual,
funcionária dos correios, agressiva, admite suas culpas. É a única que não
procura se desculpar e compreende estar no inferno. O ódio a alimenta; sádica,
goza com o sofrimento dos outros.
Não foram parar no
inferno a toa: cada um responde por um crime. Estão confinados numa sala, sem
espelhos, sem necessidade de se alimentar ou de dormir, por toda eternidade.
São obrigados a se verem através dos olhos dos outros; olhos esses que não
teriam sido os escolhidos para se conviver. Vaidosa e egoísta, é patético o
desespero de Estelle por um espelho. Inês arregala os olhos para que ela possa
se enxergar: ela se vê, tão pequenina... Tudo isso os incomoda bastante, pois
não conseguem enganar uns aos outros por muito tempo e, aos poucos vão se
constrangendo cada vez mais.
Inês tentará
conquistar Estelle, que a repudiará. Estelle, por sua vez, buscará a paixão de
Garcin, que a ignora. Inês, interessada em Estelle, jogará um contra o outro,
explicitando as faltas deploráveis de ambos; faltas essas que nenhum quer
admitir. Numa convivência insuportável, Estelle, revoltada, tenta matar Inês,
mas ela dá boas gargalhadas: já está morta. Garcin tenta, inutilmente,
convencê-la de que não é um covarde. Não conseguindo, tenta se vingar amando
Estelle diante de Inês.
Sem que possam
sequer expiar suas faltas, descobrem o horror da nudez psíquica que os outros
lhes evidenciam. Está revelado o verdadeiro inferno: a consciência não pode
furtar-se a enfrentar outra consciência que a denuncia, por isso: “o inferno
são os outros”.
“Os outros” são
todos aqueles que, voluntária ou involuntariamente, revelam de nós a nós
mesmos. Algumas vezes, mesmo sufocados pela indesejada presença do outro,
tememos magoar, romper, ferir e, a contra-gosto, os suportamos. Uma vez que a
incapacidade de compreender e aceitar as fraquezas humanas torna a convivência
realmente um inferno, o angustiante existencialismo ateu Sartriano não nos
deixa saída. Sem o mínimo de boa-vontade, não há paraíso possível.
Antonin Artaud dramaturgo francês nasceu em
1896 e lutou contra o formato e o conteúdo teatral do seu tempo.
O Teatro da Crueldade é o nome dado à teoria
proposta por ele. Surgiu na década de 20, como uma maneira de fazer uma
crítica à cultura do espetáculo e à própria forma que a sociedade ocidental
enxergava o mundo.
A origem deste pensamento teve influência
dos movimentos dadaísta e surrealista. Junto com Roger Aron, foi um dos
primeiros diretores surrealistas, com a proposta de contestar o teatro
naturalista, principalmente o francês, que se mostrava muito retórico e
paradigmático.
Além de se opor às características do teatro
tradicional, o Teatro da Crueldade critica a racionalidade do mundo ocidental.
Entre as suas ideias, estava a concepção de um novo teatro e uma nova apreensão
do universo, ligada ao nível pré-verbal da psique humana. Para Artaud, o teatro
deveria abalar as certezas adotadas pela sociedade.
“O processo de criação
aproxima-se sempre da angústia, que é um sentimento ligado ao desconhecido.
Tem-se medo de algo; angustia-se de uma sensação apenas. É a cultura das
sensações (do imaginário, do sensível), não da cultura erudita. Mas, um teatro
que vai do sensorial ao intuitivo. Não é um teatro físico, apenas”.
O
teórico Alain Virmaux apresenta na sua obra "Artaud e o Teatro" as ideias de Artaud e de como
a sua obra preconiza uma visão renovada do fazer teatral: “Atonin Artaud disse
tudo em “O Teatro e Seu Duplo”, da maneira mais clara possível” (VIRMAX, pág.
35).
Na
primeira parte do livro, Artaud faz algumas considerações a respeito da relação
dos seres humanos com a cultura como “um meio apurado de compreender e exercer
a vida” (ARTAUD, pág. 18). Para ele, o teatro deve ser uma linguagem artística
que rompa com todas as limitações e que represente a vida como uma eterna
magia, constituindo uma arte de elementos vivos. O teatro seria o duplo da vida
para Artaud, pois “de fato, no final da trajetória, teatro e vida acabam em uma
fusão completa” (VIRMAX, pág. 39).
Ele
define o teatro como um verdadeiro passe de mágica, isto é, “é preciso
acreditar num sentido de vida renovado para o teatro onde o homem impavidamente
torna-se o senhor daquilo que não existe e o faz nascer” (ARTAUD, pág. 22).
Artaud
imagina o teatro como uma revelação, uma exteriorização da crueldade presente
num indivíduo. Dessa maneira ele compara a revelação que se dá, através do
teatro, com a peste no sentido de ver explodindo em cena todas as forças
profundas e ocultas que estão em potência no interior do ator. O teatro, assim
como a peste, leva o homem a se ver exatamente como ele é, sem máscara,
exteriorizando todos os sentimentos por piores que sejam: “O teatro, como a
peste, é feito à imagem dessa carnificina, dessa essencial separação. Desenrola
conflitos, libera forças, aciona possibilidades, e se essas possibilidades e
essas forças são regras, a culpa não é da peste ou do teatro, mas da vida”
(ARTAUD, pág. 44).
(A Conquista do México - 1° obra da Crueldade)
Dessa
forma, o teatro teria em si mesmo os meios de florescimento de ideias da
apresentação de um mundo superior, uma forma verdadeira de vida renovada.
Artaud
faz do que ele chama de “linguagem concreta” e de como essa teoria pode ser
vista sob a ótica da metafísica. Para ele, a cena é um lugar concreto e físico
que deve ser construída através de uma linguagem independente da palavra e que
satisfaça os sentidos onde os pensamentos expressados escapam a linguagem
articulada.
Artaud
diz que essa linguagem concreta, antes de se direcionar ao espírito deve,
primeiramente, se comunicar aos sentidos do espectador e, possivelmente, num
segundo momento, ser entregue à análise racional e intelectual. Essa poesia
idealizada por ele deve resultar numa combinação de todos os meios de expressão
(música, dança, artes visuais, pantomima, mímica, gesticulação, entonações,
arquitetura, iluminação e cenário). O formato dessa linguagem proposta pertence
à linguagem dos signos, ou seja, “esta linguagem que evoca no espírito imagens
de uma poesia natural (o espiritual) intensa dá bem a ideia do que poderia ser
no teatro uma poesia no espaço, independente da linguagem articulada” (ARTAUD, pág.
54). Tal poesia seria a descoberta de uma linguagem ativa, que é também
anárquica, onde foram abandonados os limites comuns entre os sentimentos e a
palavra.
O
caráter metafísico dessa poesia é o que resultaria todo o seu real valor de
ser. Ao se encontrar com o tempo e o movimento é que a poesia se torna teatral
sob um ponto de vista metafísico. Nesse sentido, o teatro resgataria o seu
conteúdo religioso e místico que se perdeu e essa nova linguagem, proposta por
Artaud, seria estruturada sob a forma de encantamento, ou seja, “fazer a
metafísica da linguagem articulada é fazer com que a linguagem sirva para
expressar tudo aquilo que rotineiramente ela não expressa: é usá-la de um novo
modo, excepcional e incomum (ARTAUD, pág. 62).
O
teatro é metafísico da mesma maneira que seria alquímico, ou seja, ele quer se
tornar sensível a multiplicidade da vida, fazer um teatro de ambivalência onde
“a ilusão é verdadeira, a destruição construtiva e a desordem ordenada”
(VIRMAX, pág. 46).
Artaud
aproxima o teatro da alquimia por conta do caráter do movimento que o teatro
tem entre as forças antagônicas.Segundo ele, a operação teatral deverá fazer
“ouro” pela relação conflitante que é provocada, pois “tanto a alquimia quanto
o teatro, são artes por assim dizer virtuais e que carregam em si tanto a sua
finalidade quanto sua realidade” (ARTAUD, pág. 65).
Artaud
apropria-se do Teatro de Bali para exemplificar e inspirar a sua teoria
teatral. São para Artaud, a essência do teatro puro que ele busca, onde a sua
concepção e execução só valerão quando atingirem certo grau de objetivação da
cena. A eliminação das palavras, a opção pelos temas abstratos, a complexidade
dos artifícios cênicos resultariam na aplicação da metafísica extraída de uma
nova utilização da voz e dos gestos: “No seu novo emprego, a palavra vai então
servir para desintegrar as funções habituais da palavra” (VIRMAX, pág. 90).
O
efeito que essas imagens resultariam no público é uma intensa sensação de
fantasia e riqueza enlouquecedoras.
A
linguagem do teatro de Bali seria como uma fala anterior às palavras, “um
estado anterior à linguagem e que pode escolher sua linguagem em música,
gestos, movimentos e palavras” (ARTAUD, pág. 81). "O que o entusiasma
particularmente no espetáculo dos balineses é que, ao contrário de todo o
teatro ocidental, ele encena uma lição de espiritualidade” (VIRMAX, pág. 48).
Artaud
privilegia o teatro oriental ao ocidental. Ele dá como exemplo e inspiração o Teatro
de Bali que, segundo ele, nos fornece uma ideia física e não verbal,
independente do texto, que no teatro ocidental é visto como literatura, como
elo psicológico da cena, como supremacia da palavra no teatro.
O que
Artaud pretende é buscar uma linguagem teatral pura, que atinja os mesmos
objetivos interiores das palavras através das formas, sons, gestos e que
coloque o seu sentido no mesmo nível que a linguagem articulada. O espírito
deverá absorver essa nova linguagem teatral pura. O espírito deverá absorver
essa nova linguagem através do pensamento, ou seja, através daquilo que ela
realmente representa e não simplesmente do que ela mostra. “Fazer isso, ligar o
teatro à possibilidade de expressão pelas formas, e de tudo que houver em
matéria de gestos, ruídos, cores, plasticidades, etc, é devolvê-lo à sua
primitiva destinação, é colocá-lo em seu aspecto religioso e metafísico, é
reconciliá-lo com o universo” (ARTAUD, pág. 92).
A real
intenção de Artaud é saber se o espírito poderá ser capaz de absorver a linguagem
icônica e visual no espaço da mesma maneira que consegue captar a linguagem
articulada e o seu conteúdo psicológico. Para ele, o domínio do teatro não é
psicológico, mas plástico. Com isso, ele não tenta eliminar a palavra do
teatro, mas mudar a sua destinação, ou seja, torná-la apenas um meio de
conduzir a expressão humana juntamente com os outros signos teatrais.
Essa
tendência metafísica do teatro oriental, que se opõe à psicologia do ocidental
domina, segundo Artaud, ao mesmo tempo, todos os planos do espírito. Extrair
dos gestos, palavras, sons, músicas e da combinação deles a objetividade
necessária é utilizar uma linguagem mágica que constituirá a encenação como uma
bruxaria.
"É
preciso acabar com as obras primas". Ao dizer que as obras primas são
qualidades do passado e que não servem para o tempo atual, Artaud propõe uma
linguagem inovadora, recheada de riscos, na qual as imagens físicas e violentas
instiguem a sensibilidade do público que se vê preso por forças superiores. Ele
propõe a quebra dos antigos padrões em prol do movimento, da inquietação, da
reflexão através de caminhos que não são confortáveis para nós. Ao abandonar as
fórmulas psicológicas, vamos nos ater ao extraordinário da vida, que através da
arte, mais empiricamente através do teatro, nos livre do lugar comum ao qual
estamos habituados.
Artaud
nos diz que tudo o que atua é uma crueldade, portanto propõe um teatro que
transforme o público presente com nervos e corações despertados.
O
Teatro da Crueldade propõe estabelecer sobre os interesses das massas através
de um espetáculo em movimento influenciando todos os espectadores, ou seja, um
“espetáculo total” que explore a sensibilidade nervosa do público, “nesse
espetáculo de tentação onde a vida tem tudo a perder e o espírito tudo a
ganhar” (ARTAUD, pág. 112).
Alain
Virmaux nota que Artaud “preconiza para o Teatro da Crueldade um espetáculo
giratório e que propõe colocar o espectador no meio da ação para que seja
envolvido e marcado por ela” (VIRMAUX, pág. 52).
" A história do homem que ouve Mozart e da moça do lado que escuta o homem"
direção Luiz Antônio Rocha
Primeiro
manifesto, Artaud fortalece a ideia de que um teatro como ele imagina só será
possível através da ligação mágica que privilegie o perigo e a atrocidade.
Nesse sentido, o teatro deverá ter fundamentos orgânicos. Artaud utiliza termos
como o exorcismo, as tentações, os encantamentos, etc. A linguagem pretendida
será alcançada via linguagem do pensamento e do gesto.
A
busca é feita pelo que pode ser expresso além da aplicação comum e cotidiana
das palavras, fugindo da significação meramente psicológica. Uma metafísica da
linguagem. O que importa para Artaud é que “através dos meios seguros, a
sensibilidade seja colocada num estado de percepção mais aprofundada e mais
apurada, é esse o objetivo da magia e dos ritos, dos quais o teatro é apenas um
reflexo” (ARTAUD, pág. 117).
A
técnica utilizada será a via de fornecer ao público uma visão de sonho, imagens
sensitivas, uma absorção que o público obterá interiormente através desses estímulos.
Os temas serão como chaves que funcionarão de elo de ligação entre as imagens e
projeções apresentadas com o entendimento sensorial e intelectual.
O
espetáculo deverá conter elementos físicos, objetivos e comuns a todos. A
encenação será a mola propulsora para o processo criativo. A linguagem deverá
propiciar uma leitura onírica da realidade. Os signos teatrais como a música, a
luz e o figurino deverão fugir das concepções usuais e temporais, ou seja,
deverão propiciar novas leituras estéticas e reflexivas.
(Movimento Pânico - influenciado pela Crueldade)
No
lugar do cenário estarão signos plásticos que remetem a outros lugares que não
os comuns aos espectadores. O público deverá estar no meio ou arredores da ação
propiciando uma comunicação direta entre espectadores e espetáculo. Com relação
ao espaço cênico, Virmaux afirma que Artaud “sempre desejou para seu teatro um
lugar novo e fundamentalmente diferente das salas tradicionais” (VIRMAUX, pág.
70).
O ator
é um elemento de extrema importância e sua eficaz interpretação desencadeará o
sucesso do espetáculo. Sua interpretação será formatada como uma linguagem
codificada em movimentos e ritmos. A verdade e a naturalidade das entonações
deverão ser aplicadas pelos atores como um exagero da interpretação e, dessa
forma, “será preciso encontrar um tom de uma naturalidade pouco utilizada,
escondida e como que esquecida, porém tão verossímil e tão real quanto um e
outro” (VIRMAUX, pág. 55). Com relação ao espectador, Virmaux observa que “a
condição essencial de uma ação física sobre o organismo do espectro reside na
presença direta do ator” (VIRMAUX, pág. 67).
Artaud
tenta esclarecer o que é o princípio da crueldade. Para qualificar o rompimento
com o sentido usual da linguagem que retornarão as origens etimológicas da
língua através dos conceitos abstratos que resultarão numa linguagem concreta.
A crueldade “é uma espécie de direção rígida, submissão à necessidade” (ARTAUD,
pág. 132).
Termo
crueldade está inteiramente ligado ao desejo de vigor e relação entre as forças
opostas. Está ligado ao caráter vivo da lembrança, ao apetite e a força para
tornar a cena em um constante movimento viril. A crueldade é a força, sem
resistência, capaz de alcançar qualquer objetivo. É um impulso racional que
move os desejos e necessidades mais básicas do ser humano.
Alain
Virmaux sintetiza o objetivo do Teatro da Crueldade dizendo que ele “pretende
fazer da representação algo tão localizado e tão preciso quanto à circulação do
sangue nas artérias” (VIRMAUX, pág. 73).
Com o
teatro da crueldade, Artaud procura estabelecer um teatro construído sobre as
idéias de rigor violento, condensação dos elementos cênicos, agitações e
inquietudes características da época atual. O teatro buscará produzir mitos do
ser humano e da vida moderna.
O
homem total é o que pretende mostrar Artaud. Esse teatro se dirigirá pela
submissão às leis e preceitos. O retorno aos mitos primitivos fará com que a
encenação atualize os conflitos mais antigos do ser humano através de uma
linguagem de movimentos e gestos que será sentida diretamente pelo espírito sem
as deformações da linguagem articulada em palavras. O espetáculo será
estruturado sobre todos os planos possíveis através de um grande número de
imagens físicas e signos ligados aos momentos. Essa linguagem física só terá a
sua real eficácia através da magia de uma atmosfera hipnótica em que o espírito
seja atingido pela explanação dos sentidos.
O
teatro será apresentado como uma continuidade da vida através dessa linguagem
simbólica e icônica.
A
encenação para Artaud é a parte verdadeiramente teatral do espetáculo. Dessa
forma, a linguagem das palavras deve dar lugar à dos signos, linguagem essa que
atinja nossos sentidos de modo mais imediato.
Artaud
busca mudar o ponto de partida da criação teatral, substituindo a linguagem
comum por uma diferente, “cujas possibilidades expressivas equivalerão à
linguagem das palavras, mas cuja ordem será buscada num ponto mais profundo e
mais recuado do pensamento” (ARTAUD, pág. 140).
Essa
linguagem se empenha em fazer todo o espaço falar, segundo o simbolismo e as
analogias. Artaud busca tornar mágica a velha linguagem articulada através dos
signos e novas possibilidades, proporcionando um “desencadeamento dialético da
expressão” (ARTAUD, pág. 144).
Com
relação ao principio do teatro, Artaud diz que ele é metafísico e, dessa forma,
seu objetivo seria de criar mitos, “traduzir a vida sob seu aspecto universal,
imenso e extrair dessa vida imagens nas quais gostaríamos de nos reconhecer”
(ARTAUD, pág. 148).
A
linguagem articulada das palavras deverá, segundo ele, ser substituída por
gestos, jogos e repetições que sugeririam um maior número de imagens no cérebro
do espectador. A volta do teatro para as origens ritualísticas seria um viés
necessário para que o teatro se reafirme como linguagem.
Com
relação ao trabalho do ator, Artaud reafirma a proposta de localizar
fisicamente os sentimentos numa espécie de musculatura afetiva. “O ator é como
um atleta do coração. (ARTAUD, pág. 162). O corpo do ator é apoiado pela
respiração, uma questão primordial para Artaud, e cada movimento corresponde a
uma nova respiração. Para ele, "o ator deve pensar com o coração e deve procurar
materializar suas paixões", ou seja, a crença em uma materialidade fluídica da
alma é indisponível à profissão do ator” (ARTAUD, pág. 164).
O
conhecimento da respiração dá sentido as relações que o ator faz com o ambiente
e com a sua preparação física, assim, através da respiração, o ator “cava sua
personalidade” (ARTAUD, pág. 166). Através de um conhecimento físico, qualquer
ator pode aumentar a intensidade e o volume dos seus sentimentos.
Grande parte
destas ideias reflete a própria trajetória pessoal de Artaud. Frequentemente
visto como louco, foi internado em vários manicômios; sofria com intensas dores
de cabeça; era viciado em opiáceos; e desenvolveu um câncer no final da vida,
falecendo aos 51 anos.
Em vida, Artaud
não conseguiu pôr em prática grande parte de suas teorias, pretensiosas demais
para a época e muito paradoxal. Porém, como ensaio serviu para dar um outro
panorama à arte dramática, permitindo assim que se abrisse um paralelo, uma
porta que serve como alternativa, como ritual de confrontação para as técnicas
clássicas, que mantinham normas milenares sem nenhuma contestação. Artaud, como
um dos precursores do Surrealismo, pôde inserir esse gênero na arte dramática,
além de sugerir maior inovação e arrojo nas obras de arte, seja ela pintura,
arquitetura, dança, composição, música, etc.
Desde sua partida,
alguns artistas e grupos tentaram reproduzir seus conceitos:
Peter Brook:
n a
década de 60, comandando a Royal Shakespeare Company, explora a intensidade de
jogos físicos e a exteriorização da angústia, como em “Marat-Sade”, do
dramaturgo alemão Peter Weiss que são elementos
fundamentais do Teatro da Crueldade. E, na montagem de "Édipo
Rei", o grupo liga o teatro à
religiosidade e à liturgia. Escreve o crítico Alain Jacob no Le Monde: "A
orquestração do coro, espalhado pela sala e pelo palco, ofegando, gemendo,
suspirando, batendo os pés e as mãos, recorre tanto às tonalidades gregorianas
quanto às da música serial, aos ritos da magia africana e às tradições do
teatro japonês. Tudo isso [...] chega a criar a impressão de uma espécie de
liturgia".
Grotowski:
nega ter sofrido
influência direta de Artaud, tendo atingido resultados semelhantes a
partir de premissas parecidas. O que aproxima as experiências desses dois
artistas é a ênfase na necessidade de um trabalho metódico com os atores,
que leva ao domínio do corpo e das emoções (como em algumas experiências
do teatro oriental), além da visão do teatro como uma experiência
litúrgica, "um ritual, uma religião sem religião".
Living Theatre:
Dotado
de uma ideologia anarquista e com o objetivo de transformar a sociedade,
propunha a unificação entre teatro e vida. Embora estivessem
experimentando essas tendências desde os anos 1950, é na década seguinte
que seus trabalhos ganham mais força.
Isso acontece
relegando o texto a um plano inferior ao da experiência teatral física -
muitas vezes cheia de violência e tensão, como em "The Brig";
e, principalmente, com a união de teatro e ritual, o que se dá de maneira
impressionante em espetáculos como "Frankenstein" e, principalmente, "Paradise Now", encenação mais famosa do Living.
Outro fenômeno que se aproxima do Teatro da
Crueldade é oHappening,
evento teatral livre,
baseado na improvisação e na interação dos participantes entre si e com o
espaço. A aproximação com o Teatro da Crueldade se dá principalmente pelo
caráter coletivo e muitas vezes ritualístico das experiências, que em
muitas ocasiões se ligam, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, à
juventude e à contestação política.
Com
produção de "Ruth
Escobar" são dignas de nota as encenações do diretor
argentino Victor García (1934 - 1982) para "Cemitério de Automóveis" e "O Balcão", espetáculos que retomam, em seu
experimentalismo, ideias de Artaud.
(O Balcão - Victor Garcia - correção do título do vídeo)
No Brasil oTeatro
Oficina de José Celso Martinez Corrêa, que teria contato com o Living
Theatre e trabalharia com ele no Brasil, também colocou em prática os preceitos
do Teatro da Crueldade. “O Rei da Vela”, “Roda Viva” e “Na Selva das Cidades”
demonstram toda a agressividade e radicalização do grupo. Nos
anos seguintes, torna-se ainda mais intensa a assimilação do Teatro da
Crueldade por parte do Oficina, na viagem pelo país durante a preparação de
"Gracias, Señor". Em 1967, o Oficina encena "O Rei da Vela", espetáculo que, carregado da força poética de Oswald de Andrade, retrata de forma
ácida e grotesca a elite brasileira. Tal agressividade torna-se ainda mais
explícita em "Roda Viva" encenada em 1968, montada fora do
Oficina, mas dirigida por Zé
Celso, que acrescenta à agressão - verbal e até física, a reconfiguração do
espaço cênico e dos limites entre palco e platéia; e também na radicalização
autodestrutiva de "Na Selva das Cidades" em 1969.
NOTA
Alice Cooper cantor norte-americano, querendo ou não levou muitas das características do Teatro da Crueldade para a sua performance no palco. Sons, músicas, gritos, emoção a flor da pele, angústia tudo foi levado aos mais profundos sentidos do ser humano.
Veja o vídeo abaixo a angustia de Alice quando ele está dentro da "jaula - berço".